O impacto negativo na Ásia é inevitável porque a maioria das economias é importadora de petróleo, alimentos e energia da Rússia

 

 

 

Texto: Redação/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

No dia 24 de fevereiro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou a invasão da Ucrânia. A ação desencadeou a mais grave crise militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Desde então, o mundo assiste passo a passo as ações militares dos russos e ucranianos. Ações duras, que atingem a economia russa, foram tomadas pela maioria dos países ocidentais e aliados, como o Japão. A dúvida que muitos têm agora é: como a guerra pode afetar a economia mundial e quais as consequências a longo prazo?

 

A tensão na região é antiga. O líder russo justificou o levante em apoio a grupos separatistas na região de Donbass e o avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que têm entre os membros países da ex-União Soviética. No caso da Ucrânia, as raízes são mais profundas. Os dois povos têm uma ligação histórica. Mas desde 2014, o atrito começou a ficar mais sério após o governo pró-Moscou perder as eleições locais. Putin anexou a Crimeia, um território étnico russo e fomentou a guerra civil de separatistas pró-Kremlin. 

 

Mas o que o presidente russo não esperava, era uma reação tão intensa e coordenada de países ocidentais contra a invasão. As medidas adotadas até agora abalaram a economia russa e, claro, respingou também em outros países. Os preços globais dos alimentos dispararam à medida que o conflito Rússia-Ucrânia ameaça interromper o fornecimento de trigo e milho. Os dois países respondem por 29% das exportações globais de trigo e 19% das exportações de milho. Eles também contribuem com 80% das exportações mundiais de óleo de girassol. 

 

O impacto da falta de commodities (principalmente alimentos e combustíveis) na Ásia será convertido em breve na forma de inflação mais alta, saldos fiscais e de conta corrente mais fracos e um aperto no crescimento econômico. Índia, Tailândia e Filipinas são os que mais perderão, enquanto a Indonésia seria um beneficiário relativo. O impacto negativo na Ásia é inevitável porque a maioria das economias é importadora de petróleo, alimentos e energia da Rússia. 

 

Japão

 

No Japão, a situação não é diferente. A crise na Ucrânia pode fazer com que o preço dos combustíveis e de alimentos, como pães e derivados de farinha, comecem a ter aumento de preço. O primeiro-ministro Fumio Kishida já acionou seus ministros para prepararem medidas de contenção e estimular a economia, já bastante desgastada pela pandemia de coronavírus. 

 

Segundo reportagem do site Nikkei, a inflação ao consumidor do Japão pode se aproximar brevemente da meta de 2% do banco central devido, em parte, a aumentos acentuados nos custos de energia desencadeados pela crise. É necessário mais tempo para avaliar o impacto da guerra na Ucrânia na economia do Japão, que pode vir não apenas do comércio, mas da volatilidade do mercado e do aumento dos custos das matérias-primas.

 

A dependência do Japão das importações de combustíveis e alimentos torna sua economia vulnerável a preços mais altos de commodities, aumentando os problemas para os formuladores de políticas que se preocupam com o impacto da pandemia no crescimento.

 

Dia a dia

 

Uma reportagem da Reuters diz que produtos feitos com farinha de trigo, como pão e macarrão, deverão ter os preços aumentados em breve. O Japão depende de importações para cerca de 90% de seu consumo doméstico do produto. O governo vende o trigo que importa para moleiros domésticos e os preços são fixados a cada seis meses com base no preço médio das compras do governo.

 

A maioria das importações de trigo do Japão vem dos Estados Unidos, Canadá e Austrália – ele não importa trigo da Ucrânia. No entanto, os preços internacionais do trigo estão aumentando a cada dia, também devido a fatores como colheitas menores resultantes de condições climáticas incomuns nas áreas de produção e aumento da demanda da China.

 

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Os preços do petróleo bruto também não param de subir. De acordo com a Agência de Recursos Naturais e Energia, o preço médio nacional da gasolina comum em 21 de fevereiro era de ¥ 172 por litro, um aumento de ¥ 0,6 em relação à semana anterior. O preço já havia subido por sete semanas seguidas.

 

Para conter mais aumentos, o governo do Japão tomou uma medida incomum: injetou subsídios nas empresas atacadistas de petróleo, com o objetivo de reduzir os preços no atacado da gasolina e outros combustíveis. O valor já atingiu o limite superior de ¥ 5 por litro, mas após a invasão da Ucrânia, o governo planeja aumentar o subsídio máximo para ¥ 25 por litro.

 

Empresas

 

Por causa da invasão russa à Ucrânia, multinacionais interromperam as operações em solo ucraniano. A Suzuki está suspendendo as atividades comerciais em todas as 20 concessionárias no país. A Japan Tobacco suspendeu a produção em sua fábrica em Kremenchuk, no centro da Ucrânia. A fábrica produz charutos com a marca Camel para o mercado japonês.

 

A fornecedora de peças automotivas japonesa Sumitomo Electric Industries fechou sua fábrica de chicotes automotivos na parte ocidental do país, assim como a Fujikura, outra fabricante japonesa de fiação.

 

Cinquenta e sete empresas japonesas estavam operando na Ucrânia em janeiro, de acordo com a empresa de inteligência de negócios Teikoku Databank, com sede em Tóquio, com montadoras e outros fabricantes respondendo por cerca de metade.

 

Brasileiros

 

E o que pensam os brasileiros que vivem no Japão? Sentem-se seguros no país? Fizemos uma enquete online e percebemos que a grande maioria tem preocupações decorrentes da guerra. “A relação de ter os EUA como o amigo grande não ajuda muito. Para garantir que o amigo grande continue protegendo, o Japão tem que jogar o mesmo jogo dos norte-americanos”, opiniou Carlos Vilaronga, de Kosai (Shizuoka). Ele lembrou que o povo de Okinawa pede há tempos para que as tropas americanas deixem as ilhas, mas o governo ignora. “Os sobreviventes da bomba atômica pedem para o Japão se posicionar claramente sobre o tema e alguns governantes estão tentando mudar leis para poder colocar armas nucleares americanas em terreno japonês para se defender dos supostos inimigos. Enfim, acredito que se o caldo entornar de vez, além do impacto econômico, teremos problemas maiores, podendo envolver ataques”, diz.

 

Já Luiz Guilherme Kímel, de Kawasaki (Kanagawa), lembra que o Japão é alvo fácil, pela proximidade; e certo, pelo valor econômico e bélico. “No caso da Rússia, se a coisa ficar mesmo feia, os EUA podem precisar priorizar enquanto o Japão não carrega o próprio peso”, fala o brasileiro. Ele confessa que já discutiu com amigos e familiares sobre o que fazer em caso de guerra. “Não é fácil se ‘preparar’ para algo assim na divisa entre o ‘nunca vai acontecer’ e ‘está acontecendo’”, pondera. Já sobre a questão econômica, Luiz diz não estar muito preocupado. “Pode apertar, mas vai estar escasso para todo mundo, então relativamente me sinto seguro. Exceto se o patriotismo japonês acordar e começar a puxar novamente contra gaijin (estrangeiros). Aí pode ser chato, mas no geral, acredito que o sistema aqui é sólido e resiliente”, opina.

 

Alice Kamo vai mais além e diz achar que não estamos mais seguros em nenhuma parte do mundo. “Já antes dessa guerra acontecer, tenho sentido no bolso que a economia japonesa tem sido afetada por vários fatores, de acidentes climáticos a epidemias. Temos de ser otimistas e torcer para que toda essa crise passe. O amanhã só a Deus pertence”, reflete.

 

Bruno Massami compartilha da mesma opinião de Alice. “Nunca me senti seguro no Japão. A questão da guerra apenas aumenta o medo e o receio de uma catástrofe. O mundo vai pagar a conta pela irresponsabilidade dos dois presidentes de lá. E não deve ser uma conta barata de se pagar”, comenta.

 

Mas Antonio Kotaro Hayata, de Tóquio, considera que a insegurança existe em qualquer parte do mundo. “Com o desenvolvimento bélico, os mísseis podem atingir qualquer parte do mundo em questões de segundos”, lembra o brasileiro. “O Japão é proibido de ter um exército próprio, sendo por princípio pacífico, e não vai se manifestar ofensivamente contra qualquer país”, diz acreditar. Do ponto de vista econômico, Antonio diz que já estamos vivendo as consequências do coronavírus com a redução da produtividade e das entradas de estrangeiros que compõem a força de trabalho. “Com uma guerra em escala mais ampla, o mundo inteiro estará no mesmo barco. Estão, não existirá uma economia melhor, talvez uma menos ruim.”

 

 

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