Em razão de golpes aplicados por um brasileiro, que chegariam a mais de ¥ 34 milhões, especialistas sugerem cuidados a serem tomados, no Japão, por quem deseja adquirir um imóvel com segurança

 

 

Texto: Gilberto Yoshinaga/Record TV Japan

 

 

A Justiça japonesa está prestes a definir a sentença de um brasileiro de 39 anos preso em novembro do ano passado, sob a acusação de aplicar golpes imobiliários em pelo menos 20 pessoas – lesando-as em cerca de 34,7 milhões de ienes. Desse montante, somente cerca de 3,6 milhões de ienes foram ressarcidos às vítimas.

 

O caso, que vem sendo noticiado na mídia japonesa e ganhando repercussão nas redes sociais de decasséguis, acendeu um alerta para muitos brasileiros interessados em adquirir um imóvel no Japão. Por conta disso, a Record TV Japan consultou especialistas para elencar algumas dicas e cuidados que os consumidores devem tomar para negociarem a aquisição de um imóvel de forma segura.

 

Morador de Kakegawa (Shizuoka), o acusado que está preso havia criado uma empresa de reformas de imóveis. Com isso, negociava com japoneses, donos de casas antigas ou em estado precário, e deles obtinha autorização para reformar tais imóveis e alugá-los para terceiros. Porém, em vez de angariar inquilinos, ele procurava pessoas interessadas em comprar as casas e simulava vendê-las, com documentos falsos, embolsando os montantes pagos como entrada das negociações. Sem saber, as vítimas pensavam ter comprado as casas, quando na verdade estavam apenas alugando-as.

 

“Ele me ofereceu a casa por um preço muito abaixo da média de mercado, era realmente um negócio muito tentador. Mas desconfiei quando ele pediu pelo menos 1,5 milhão de ienes como entrada, em dinheiro, e não permitiu que eu ficasse com o contrato para analisá-lo antes de assinar, já que estava todo escrito em japonês e eu queria mostrar para uma amiga que é fluente no idioma”, conta um brasileiro de 49 anos que desistiu da negociação – e, assim, evitou cair no golpe. “Depois, soube que ele enganou várias pessoas com a mesma conversa. Ele apresentava uma falsa tradução em português, indicando que se tratava da venda da casa, mas o verdadeiro contrato, em japonês, se referia apenas à locação. E apressava as vítimas, pressionando-as a pagarem uma entrada logo, ou a casa seria vendida para outra pessoa supostamente interessada.”

 

Constrangida e ainda temendo possíveis represálias, uma vítima do golpe não quis se identificar ou dar detalhes sobre seu caso, nem especificar quanto dinheiro perdeu. Mas concordou em sugerir conselhos para quem deseja adquirir um imóvel no Japão. “Casa própria é o sonho da vida de muitas pessoas e representa muitos anos de trabalho suado, muitas horas extras. É preciso fazer as coisas com bastante calma e cuidado”, recomenda. “Se a negociação estiver muito simples ou vantajosa, é melhor desconfiar. Afinal, aprendi da pior maneira e hoje sei que não é tão fácil nem barato comprar uma casa no Japão.”

 

Informações e garantia

 

‘Informar-se é a melhor garantia para não ser enganado’, orienta Koji Muto, CEO da imobiliária e consultoria JI Consulting / foto cedida

“O mais importante é se municiar de informações, ou seja, saber como funcionam as leis, os processos de uma transação, assim como conhecer os direitos e deveres do consumidor e da imobiliária. Informar-se é a melhor garantia para não ser enganado”, orienta, em linhas gerais, o empresário japonês Koji Muto, CEO da imobiliária e consultoria JI Consulting, de Okazaki (Aichi) – que, em 16 anos de existência, já realizou cerca de 1.120 vendas de casas. “Comprar uma casa mexe com muito dinheiro, mexe com a vida da pessoa. Por isso, é preciso fazer tudo com muita calma, cuidado e, principalmente, informações.”

 

Uma recomendação básica é buscar informações e referências sobre a idoneidade da imobiliária, além de checar se a mesma é devidamente autorizada, pelo governo, a realizar a transação. “Procure saber se a imobiliária existe, quem é seu dono, se ela é licenciada e há quanto tempo está no mercado, por exemplo”, indica Muto. “Para obter a licença para atuar, uma imobiliária precisa depositar um caução. Esse valor serve exatamente como garantia para que, se um consumidor for lesado, possa ser ressarcido.”  

 

Verificação do contrato

 

Acerca do contrato, o advogado brasileiro Etsuo Ishikawa, consultor jurídico dos Consulados-Gerais do Brasil em Nagoia e Hamamatsu, lembra que ele deve ser analisado com cuidado antes de ser assinado. “Todo consumidor tem o direito de ter certeza sobre o teor e os termos de um contrato que pretende assinar”, diz. “Além disso, o contrato deve trazer informações sobre a imobiliária e elas também podem ser checadas nos devidos órgãos do governo.”

 

O advogado Etsuo Ihikawa orienta que todo consumidor tem o direito de ter certeza sobre o teor e os termos do contrato ©Gilberto Yoshinaga/Record TV Japan

Em caso de dúvida sobre o contrato, ou caso não tenha uma pessoa de confiança que possa ajudar a verificar o documento, Ishikawa lembra que toda prefeitura possui um centro de apoio ao consumidor. “É possível levar o contrato até eles e pedir para que façam uma verificação, a fim de saber se não há cláusulas abusivas ou irregulares”, orienta. “Eles não vão fazer uma consultoria, mas podem fazer essa checagem básica sobre a lisura do documento.”

 

O advogado também lembra que é preciso desconfiar de uma imobiliária que peça pagamento em dinheiro. “Geralmente, este tipo de transação, que envolve valores altos, é feito por transferência bancária, porque tudo fica documentado e o procedimento oferece mais segurança ao consumidor”, afirma.

 

Selo fiscal e corretagem

 

“O consumidor não deve confiar em tratos ou promessas que não sejam especificados em contrato”, instrui a empresária japonesa Yuka Takahashi, CEO da imobiliária House Plus, de Anjo (Aichi). Com 20 anos de experiência no ramo, 14 deles à frente da própria empresa, ela lembra que existem dispositivos que atestam a legitimidade do documento. “Contratos formulados em outro idioma que não seja o japonês não têm efeito jurídico. E, para ser válido, um contrato também precisa ter um selo fiscal [shunyu inshi], comprado nas agências dos correios.”

 

Yuka Takahashi, CEO da House Plus, lembra que o valor da corretagem só deve ser pago após a entrega das chaves / foto cedida

Yuka também lembra que, para todo valor pago pelo comprador, a imobiliária deve emitir um recibo com carimbo da entidade paga e que também contenha o selo shunyu inshi – que pode variar conforme o valor e o tipo de serviço. 

 

A empresária também reforça a dica de informar-se sobre a imobiliária e o agente com quem se pretenda fazer negócio. “Além de checar se a empresa é licenciada, também pode-se pedir dela um documento que confirme que seu agente é um funcionário efetivo e que se responsabiliza pelo trabalho do mesmo”, recomenda. Por fim, ela lembra que o valor da corretagem, cujo percentual varia de acordo com o preço do imóvel, só pode ser cobrado se a negociação for até o fim – isto é, a entrega das chaves.

 

Outras informações

 

• Para checar se uma imobiliária é reconhecida pelo governo, é possível pesquisar sobre ela no site do Ministério da Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo (o nome da empresa deve ser digitado em katakana)

 

• São mais confiáveis as empresas vinculadas a uma associação de imobiliárias – que também dão mais segurança e garantias ao consumidor, caso ele seja lesado 

 

• Antes de ser assinado, o contrato deve ter cada item e cláusula lidos e explicados para o comprador da casa

 

• Imobiliárias idôneas também fornecem a seus clientes informações que vão além da negociação em si, como encargos e tributos que incorrem na aquisição do imóvel, detalhes sobre o plano diretor (leis do município que orientam sobre o que pode ou não ser feito no imóvel, a depender do bairro ou região) e informações sobre o fornecimento de água, gás e energia elétrica, entre outros

 

• O financiamento é uma negociação entre o consumidor e o banco apenas, e não envolve a imobiliária – portanto, é responsabilidade apenas de quem pede o financiamento fornecer informações idôneas, agir dentro da lei e cumprir os requisitos estipulados pelo banco

 

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