Percentual de 16% é considerado pequeno, mas preocupa especialistas; no Japão, a situação é parecida

 

 

Texto: Elaine Patricia Cruz/Agência Brasil e Redação/Record TV Japan
Foto: ©Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

 

Pesquisa divulgada na 24ª Jornada Nacional de Imunizações revela que 16% dos brasileiros consideram desnecessário aplicar nos filhos vacinas contra doenças que já não circulam mais no país. O dado consta do Inquérito de Cobertura Vacinal das crianças nascidas em 2017 e 2018. Para o inquérito foram realizadas mais de 38 mil entrevistas.

 

A situação é parecida no Japão. Principalmente depois do início da pandemia de covid-19, os pais deixaram de seguir o calendário de vacinação, mostrou outro levantamento, feito pelo governo japonês.

 

Embora seja aparentemente pequeno em relação à amostra, o número gera preocupação entre especialistas, já que o Brasil, o Japão e outros países vêm deixando de cumprir as metas de coberturas vacinais e apresenta queda nos números de vacinação desde 2015. Sem o cumprimento das metas, aumentam as chances de retorno de doenças que, até então, eram consideradas eliminadas ou controladas, como a poliomielite.

 

Como o Brasil e o Japão não registram casos da poliomielite desde muito tempo, muita gente pensa, equivocadamente, que não é mais necessário vacinar-se contra a doença. O que ocorre, no entanto, é que, quanto menos pessoas se vacinam, mais aumenta o risco de a doença voltar a se desenvolver no país. 

 

Foi o caso do sarampo, por exemplo. O Brasil recebeu o certificado de eliminação da doença em 2016, mas três anos depois, com baixa cobertura vacinal, o país perdeu o reconhecimento por não conseguir controlar um surto de sarampo, que se espalhou por diversos estados. O mesmo aconteceu aqui no Japão.

 

Dificuldades

 

A pesquisa demonstrou ainda que um pequeno número de pessoas (cerca de 3% dos entrevistados) resolveu não levar os filhos para receber uma ou mais vacinas. Desse total, 24,5% informaram que não o fizeram por causa da pandemia de covid-19, ou por medo da reação às vacinas (24,4%).

 

Outros disseram ter tentado levar os filhos para tomar vacinas, mas encontraram dificuldades para fazê-lo (7,6% dos entrevistados). A principal dificuldade relatada foi o fato de o posto de saúde ficar longe da residência ou do local de trabalho (o que foi apontado por 21% dos que disseram ter tido dificuldades), seguido por falta de tempo (16,6%), horário inadequado de funcionamento do posto (14,1%) e até falta de meio de transporte para chegar ao local de vacinação (12%).

 

“No estudo, observamos que existem três aspectos principais: o primeiro é a não necessidade de vacinar contra doenças que se acredita que não existam mais, mas existem. O segundo aspecto é o medo de reações graves e o terceiro, dificuldade de acesso e da infraestrutura das unidades. Esse conjunto faz com que tenhamos cobertura vacinal insuficiente para o controle das doenças”, disse José Cassio de Moraes, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenador do inquérito.

 

“A consequência da hesitação vacinal, que é devida a múltiplos aspectos, é fazer com que a cobertura seja baixa. Isso permite o retorno de doenças já eliminadas como a poliomielite; [gera] dificuldades para eliminação do sarampo, que já tivemos; e aumento de casos de coqueluche, difteria e outras doenças imunodeprimíveis”, disse Moraes, em entrevista à Agência Brasil.

 

“O Brasil teve um sucesso importante nesse programa [nacional de imunizações]. Foi considerado um programa líder no mundo, tanto na cobertura quanto no número de vacinas incluídas, mas hoje corremos o risco de cair quase para o último lugar”, lamentou o professor.

 

Para Moraes, é uma situação preocupante. “Até 2015, conseguíamos atingir nível de cobertura muito bom. Temos boa infraestrutura: quase 38 mil salas de vacinas, conseguimos aplicar facilmente 2 milhões de doses ao dia, como foi mostrado durante a pandemia de covid-19, mas precisamos fazer uma boa comunicação para a população. Não temos uma comunicação adequada”, afirmou. “Podemos regressar na ocorrência de doenças e ter hospitais cheios com um quadro de doenças imunopreveníveis”, acrescentou.

 

Os números também preocupam a representante da Organização Pan–Americana da Saúde (Opas), Lely Guzman. “Há muita desinformação. E agora, com as redes sociais, a desinformação chega muito mais rápida. Precisamos estar à frente para identificar o que está gerando a desinformação, onde se estão gerando essas preocupações, para podermos evidenciar a confiança e segurança das vacinas”, disse Lely Guzman à reportagem.

 

De acordo com Lely, nos dois últimos anos de pandemia, a cobertura dos programas de rotina vacinal caiu muito, não só no Brasil, mas em toda a região. “E a Organização Mundial da Saúde [OMS]está fazendo um chamado porque, em todas as regiões, a queda foi muito importante, o que coloca em risco a volta de doenças que já estavam controladas, que estavam em processo de eliminação e doenças que ainda estão erradicadas.”

 

Ela defendeu a necessidade de sensibilizar as comunidades, as autoridades, os meios de comunicação, as universidades, a sociedade, para que se volte a acreditar na vacina. “Temos que unir esforços”, ressaltou.

 

O pesquisador José Cassio de Moraes também aponta a união de esforços como uma estratégia importante para a retomada de níveis elevados de vacinação no país. “Tem que haver união de esforços entre os três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Uma comunicação boa entre esses três níveis e a população e um trabalho junto aos profissionais de saúde para capacitá-los para as vacinas”, afirmou.

 

Falsa segurança

 

A falsa sensação de segurança da população, a desinformação e a falta de campanhas educativas estão contribuindo para que a cobertura vacinal esteja em queda no Brasil desde 2015. Sem atingir as metas de vacinação, o país pode voltar a enfrentar surtos de doenças que já haviam sido eliminadas, como a poliomielite. O alerta é do presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), pediatra Juarez Cunha.

 

“De forma geral, todas as coberturas vacinais estão baixas. Se, em 2019, elas já eram baixas, agora em 2022 ficaram mais baixas ainda. E o que isso significa? Todas as doenças chamadas imunopreveníveis e, em especial a população vulnerável, que são as crianças, estão desprotegidas. Estão vulneráveis a doenças que foram, muitas delas, eliminadas ou controladas. Com baixas coberturas vacinais, podem retornar e acometer as crianças e a nossa população”, disse o pediatra, em entrevista à Agência Brasil.

 

De acordo com Cunha, um dos fatores que têm levado à baixa cobertura vacinal, é a desinformação, alimentada por grupos antivacina. “Com a pandemia, a desinformação e as fake news [notícias falsas] acabaram abalando ainda mais a confiança [da população nas vacinas].”

 

Segundo o médico, é preciso lembrar o papel das vacinas na prevenção de doenças. “Só temos motivos para ficar felizes com os resultados que as vacinas nos trouxeram. É calculado que, só no Brasil, 600 a 900 mil mortes por covid-19 foram evitadas em 2021 por causa do uso das vacinas. Então, se não valorizarmos as vacinas, infelizmente vamos ver pessoas ou crianças que poderiam evoluir de forma saudável adoecerem e morrerem por doenças que poderiam ser evitadas.”

 

Japão

 

Nos últimos anos, o número de vacinas para crianças, principalmente para recém-nascidos, aumentou consideravelmente, mas faltam informações sobre elas.

 

Consequentemente, muitos pais desconhecem os benefícios que as vacinas proporcionam aos seus filhos. Quando tentam se educar, muitas vezes recorrem à internet para obter ajuda.

 

“Pesquise qualquer vacina para crianças e pelo menos metade dos sites serão muito tóxicos, dando informações negativas que parecem confiáveis, embora sejam falsas”, disse Ken Ishii, professor da divisão de ciência de vacinas do Instituto de Ciências Médicas da Universidade de Tóquio, acrescentando que os programas de TV diurnos geralmente realizam um desserviço semelhante.

 

“Portanto, o verdadeiro problema é que não há educação suficiente para divulgar os benefícios dessas importantes vacinas, que se mostraram seguras e eficazes desde que foram introduzidas anos atrás”, comentou ele ao Japan Times.

 

Complicações de saúde resultando em incapacidades e até mesmo algumas mortes desencadearam a desativação de várias vacinas nos últimos 50 anos, incluindo a vacina DPT (difteria/coqueluche/tétano) em 1975 e a vacina MMR (sarampo/caxumba/rubéola) em 1993.

 

Milhares de ações judiciais contra o governo se seguiram, resultando em uma emenda à Lei de Imunizações em 1994 que relaxou os regulamentos de vacinação anteriormente obrigatórios e a introdução de um esquema de compensação que Ishii diz estar tão envolto em burocracia que “basicamente nunca acontece”.

 

Hoje, as crianças no Japão provavelmente terão cerca de 26 doryoku-gimu (literalmente “esforço obrigatório”), vacinas que são “fortemente recomendadas”, além de várias outras vacinas “voluntárias” no momento em que saem da escola primária.

 

Entre essas vacinas voluntárias estão as vacinas anuais contra a gripe, que estudos recentes sugerem que podem até proteger contra a infecção por COVID-19, mas têm uma taxa de administração notavelmente baixa no Japão (36,9% em crianças de 0 a 13 anos, em comparação com quase 70% em os Estados Unidos).

 

As vacinas geralmente são muito sensíveis à idade, e o atraso pode ser a causa de sérias complicações de saúde. Dados revelaram que algumas crianças de 3 anos ou mais não receberam vacinas para doenças como a encefalite japonesa.

 

Os coronavírus, ou qualquer nova infecção para a qual não há imunidade, são assustadores, mas existem muitas outras doenças que podem afetar o crescimento saudável de uma criança, resultar em incapacidade permanente ou até morte.

 

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