Em meio aos intensos confrontos no leste do país, nação comandada por Volodmir Zelenski tenta viver e resistir à invasão
A guerra entre Rússia e Ucrânia completa seis meses nesta quarta-feira (24). Durante estes 181 dias, o mundo acompanhou a tomada da usina de Chernobyl, a saga dos ucranianos que tentavam fugir do país, assim como as bombas na maternidade de Mariupol e o massacre de Bucha.
Atualmente os principais confrontos da guerra acontecem no leste da Ucrânia, onde justamente estão localizadas as regiões separatistas de Donetsk e Lugansk. A forte ligação da área com a Rússia, inclusive, foi usada como pretexto pelo presidente Vladimir Putin para iniciar o conflito.
O avanço contínuo das forças armadas na região, porém, não é visto pelo professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit como uma grande vitória. Para o especialista, a demora para controlar um exército menor traz um gosto “amargo” para os triunfos russos.
“O avanço no leste é uma vitória com certeza, mas com um gosto muito amargo porque as forças armadas da Rússia não conseguiram derrotar um oponente muito menor, e ao mesmo tempo estão sofrendo um desgaste de material e vida humana muito grande”, afirma Rudzit ao R7.
O professor de Direitos Humanos da Universidade Estácio de Sá Douglas Galiazzo ressalta a resistência ucraniana, que transforma a guerra em um constante jogo de ganhos e perdas entre os dois lados do conflito.
“Não dá para cravar uma vitória da Rússia no leste. Ainda é um ambiente que é cheio de ganhos e perdas. Há sinais de resistência da Ucrânia, logo, não há nenhum espaço que não possa haver uma reação ucraniana”, explica Galiazzo ao R7.
O controle russo cada dia maior na região onde ficam as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, reconhecidas pelo governo de Putin momentos antes do início da guerra, podem tornar a área uma nova Crimeia, segundo Rudzit.
“Assim que o governo russo achar que já conquistou o que queria e que pode ocupar, é praticamente certo que haverá um processo igual ao da Crimeia em 2014. Ou seja, um referendo onde a maioria pode votar pela anexação da região pela Rússia.”
Galiazzo segue a mesma linha de Rudzit e estipula que uma anexação oficial feita pelo governo de Putin pode ser repetida ao final da guerra, o que segundo o especialista pode levar anos.
“Essas são as duas grandes regiões que realmente a intenção é a anexação pela Rússia. Entretanto, a gente só vai descobrir esse novo formato geopolítico da Rússia, da intenção em anexar [Donetsk e Lugansk], nos próximos meses ou até mesmo anos, com o fim dessa guerra.”
A Crimeia, península ao sul no território da Ucrânia, foi anexado pela Rússia em 2014, após tropas de Moscou tomarem a região sem resistência ucraniana, na época comandada pelo presidente interino Oleksandr Turchynov.
Rússia e Ucrânia sentaram à mesa de negociações junto à ONU e Turquia para discutir maneiras de escoar o trigo ucraniano — produto importante para o combate da fome em partes do mundo, e em especial no Chifre da África, formado por Djibout, Eritreia, Etiópia e Somália.
O acordo entre as partes trouxe a esperança de que Putin e Volodmir Zelenski finalmente pudessem conversar sobre um acordo que levasse ao cessar-fogo, ou seja, a interrupção da guerra. Entretanto, aa situação segue longe de ser resolvida.
O presidente da Ucrânia já afirmou que não negociará enquanto tropas russas estiverem no país e o mandatário da Rússia não dá indícios que pensa em ceder os territórios conquistados nestes seis meses de guerra.
“A liberação das exportações de grãos não significa uma possibilidade de cessar-fogo. Até porque o que interessa a Rússia vai além disso, vai à vontade de fazer frente à Otan”, diz Galiazzo.
A guerra lenta e arrastada entre as partes começa a gerar dificuldades logísticas à Rússia. Segundo Rudzit, o avanço “lento de forma geral” é um reflexo dos bombardeios ucranianos que levam à falta de combustível e munição.
O rigoroso inverno no Leste Europeu se aproxima e traz mais um ingrediente para o maior conflito no continente desde a Segunda Guerra Mundial.
“Grandes guerras foram definidas, foram encerradas, quando surge o inverno. Acho que são dois países que já estão habituados ao frio. Realmente é uma incerteza. Não é fácil cravar, opinar, falar, quem poderia se beneficiar do clima”, explica Galiazzo.
Rudzit, por outro lado, não vê vantagens para ninguém com a chegada do inverno, além do sofrimento do povo ucraniano que para manter o aquecimento elétrico e a gás das residências durante a estação mais gelada do ano.
“Não acredito que o inverno vá beneficiar nenhum dos dois lados, pois impossibilitará grandes movimentações militares. A população ucraniana sofrerá muito mais por falta de infraestrutura para energia, calefação e até mesmo de alimentos”, conclui Rudzit.