Relatório da ONU aponta que a infelicidade aumentou no mundo todo, tendo havido maior insegurança econômica, ansiedade, perturbação de todos os aspectos da vida
Texto: Ludmilla Souza/Agência Brasil
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Desde 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Internacional da Felicidade em março, no dia 20. A data foi criada como uma forma de reconhecer a importância da felicidade na vida das pessoas em todo o mundo. Em 2015, a ONU lançou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que buscam erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e proteger o planeta – três aspectos essenciais que levam ao bem-estar e à felicidade. Mas, depois de um ano de pandemia, é preciso de uma dose extra de esforço para lidar com as emoções que bloqueiam e diminuem a felicidade, dizem os especialistas.
Na opinião do professor da Felicidade da Universidade de Brasília (UnB) Wander Pereira, é possível comemorar no período de pandemia e em outros momentos de incertezas. “A vida é feita de situações e momentos distintos e cada um deles requer um tipo de emoção e sentimento. É lógico que diante das perdas de vidas humanas (próximas ou não) de uma forma tão dramática como a que vivemos, não há como não ficar triste indignado e até revoltado, mas a vida não é só isso”, destaca Pereira, doutor em psicologia pela UnB.
Para o especialista, a vida segue e cada um de nós tem pais, filhos, namoradas, namorados, maridos, esposas, amigos, casa, trabalho, etc. ou seja, uma vida para cuidar, então é preciso estarmos aptos a desfrutar das situações de felicidade. “A infelicidade que a pandemia nos trouxe não pode contaminar as outras coisas boas da nossa vida”, diz.
No entanto, diante da realidade posta, não é aconselhável negar as emoções negativas, explica o professor. “As grandes catástrofes nos impõem medo, insegurança e incerteza, e isso é normal, quem não sentir isso está meio fora da curva. Não é recomendável renegar as emoções ditas negativas, devemos abraçá-las e nos engajarmos para transformá-las em vivências significativas! Aquele tipo de atitude que melhora o nosso modo de lidar com elas. Uma dica é não ficar parado, estacionado na tristeza. Mova-se, comece com pouco, mas faça o melhor com o que você tem!”
Relacionamentos e a felicidade
O isolamento social que a pandemia exigiu levou ao distanciamento social entre as pessoas em geral, mas levou a aproximação entre os casais e os núcleos familiares mais íntimos. No entanto, essa aproximação pode ter levado ao aumento da separação entre casais. O número de divórcios consensuais realizados pelos cartórios de notas do país, durante a quarentena decretada pela pandemia do novo coronavírus, entre os meses de maio e junho deste ano, aumentou 18,7%.
“Possivelmente, os relacionamentos que já estavam adoecidos antes da pandemia não tenham resistido a esse período. Mas, muitos relacionamentos foram ‘reformados’, reinventados e outros tantos começaram em meio à crise. Ouço as pessoas falando que a pandemia trouxe uma oportunidade de reflexão para a humanidade e discordo disso. A humanidade é um conceito etéreo, a pandemia está sendo uma grande oportunidade para cada um de nós como pessoas. Para iniciarmos aquele processo de transformação que, por comodismo, vínhamos ‘empurrando com a barriga’, a hora é agora”, opina o professor.
Segundo ele, este é o momento ideal para o autoconhecimento. “Em momentos extremos nossos sentimentos mais básicos afloram, tudo ganha outra magnitude, então aproveite para se conhecer melhor, se aprimorar e se preparar para viver relacionamentos mais saudáveis, mais verdadeiros”, orienta.
Dinheiro não traz felicidade?
A velha máxima de que “dinheiro não traz felicidade” ganha outro sentido durante a pandemia, época em que grande parte da população passa por crise financeira e milhares ficaram sem emprego e renda. Na opinião do professor, dinheiro é importante, mas não é tudo.
“Ter muito dinheiro não é garantia de felicidade. O problema é que, sim, pouco dinheiro nos deixa infelizes. Os países com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos também são os piores nos rankings de felicidade. Porém, o grande diferencial é o jeito com que você vive sua vida, a pesquisa de Havard Study of Adult Development (a mais longeva sobre felicidade) conclui que, para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, é preciso investir na qualidade dos nossos relacionamentos sociais”.
Ele destaca que é preciso solidariedade e força de vontade política para atenuar a situação dos mais afetados pela falta de dinheiro. “É importante que no pós-pandemia todos nós tenhamos essa preocupação com as pessoas que perderam seus empregos e sua renda, sermos solidários, mas é óbvio que serão precisos políticas sociais dos governos para atenuar a situação”.
Este mês, a ONU divulgou o Relatório Mundial de Felicidade no qual o Brasil ocupa agora o 41º lugar, nove posições abaixo do ranking de 2020. A nota atribuída ao Brasil, baseada em dados de 2020, é de 6,110. Essa é a menor média para o país desde 2005, quando o instituto de pesquisas começou sua avaliação.
O relatório também apontou que a infelicidade aumentou no mundo todo, tendo havido maior insegurança econômica, ansiedade, perturbação de todos os aspectos da vida e, para muitas pessoas, estresse e desafios para a saúde física e mental. “O pior efeito da pandemia foram 2 milhões de mortes por covid-19 em 2020. Um aumento de quase 4% no número anual de mortes em todo o mundo representa uma grave perda de bem-estar social”, afirma o documento. O relatório é feito anualmente para analisar a percepção do sentimento em 153 países. A Finlândia é o país mais feliz do mundo, pelo quarto ano consecutivo.
População feminina
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, um fenômeno batizado como “paradoxo da felicidade feminina” mostra que, apesar de todas as conquistas ao longo dos anos, as mulheres estão mais infelizes. É o que diz uma pesquisa feita pela organização CARE, que mostrou que elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite, incapacidade de dormir e dificuldade em concluir as tarefas diárias.
Para chegar a esse resultado, foram ouvidas mais de 10 mil pessoas em 38 países, incluindo os da América Latina. O levantamento foi feito pela CARE Internacional, uma rede que possui mais de 60 anos de experiência em ajuda humanitária e no combate à pobreza.
As causas são diversas e ampliadas com a pandemia. Dos milhões de demissões observadas nos primeiros meses de pandemia, as mulheres formaram o maior grupo, tanto em países desenvolvidos quanto nas nações em desenvolvimento. Ainda há a discrepância na divisão do trabalho doméstico.
Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrou que 63% das mulheres fazem trabalhos relativos aos cuidados com a casa contra apenas 23% dos homens. No acompanhamento da escola remota, quase toda a carga da atenção às crianças é novamente delas, a pesquisa apontou que 71% eram mulheres e apenas 19%, homens.
E com mais um ano de pandemia pela frente, é preciso resiliência e conhecimento para que as mulheres sejam felizes, apesar do momento delicado e das adversidades da vida. “A felicidade não deve ser alicerçada em condições externas – isso a torna quase inviável. Ela é uma construção feita sobre dois pilares: a vivência de mais emoções de valência positiva que negativa e a percepção de se ter uma vida significativa. O segundo pilar – da vida significativa, do propósito – é o que nos sustenta diante dos desafios”, aponta a pesquisadora Carla Furtado, fundadora do Instituto Feliciência.
Neste momento, o desenvolvimento da resiliência é um fator positivo. “A resiliência é compreendida como a habilidade de navegar em busca de recursos para funcionar de maneira positiva em situações adversas: sem adoecer a médio e longo prazo. Manter-se em situações tóxicas não é o desfecho esperado de um processo de resiliência. Não se deve acreditar no mito de que suportar toda e qualquer situação é sinônimo de resiliência. O que se espera como desfecho saudável é: recuperação, adaptação ou transformação positivas”, explica Carla.
Segundo a pesquisadora, mudar o “paradoxo da felicidade feminina” é um trabalho coletivo, de homens e mulheres. “Para mudar essa realidade é preciso real equidade de gênero, seja no ambiente profissional ou familiar. Tomemos a pandemia, por exemplo, as mulheres estão sobrecarregadas com trabalho, cuidados com a casa e acompanhamento de atividades escolares dos filhos. Elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite e incapacidade de dormir”, destaca.
Com a pandemia, a vulnerabilidade das mulheres tornou-se ainda mais evidente. Para encarar mais um ano de pandemia, a pesquisadora recomenda atenção redobrada à saúde mental, a partir da adoção de práticas protetivas. “Destaco aqui a importância do descanso, em especial do sono restaurador. Não é normal dormir pouco, pode ser usual, mas não deve ser considerado normal. O estabelecimento de uma rede de apoio é outra medida essencial, a travessia ainda não acabou e teremos maior resistência ao lado de pessoas significativas. E diante da impossibilidade de lidar efetivamente com a rotina há sempre possibilidade de buscar assistência especializada”, finaliza a especialista.
História do dia da felicidade
A Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 66/281 de 12 de julho de 2012 proclamou 20 de março o Dia Internacional da Felicidade, reconhecendo a relevância da felicidade e do bem-estar como objetivos e aspirações universais na vida dos seres humanos em todo o mundo e a importância de seu reconhecimento nos objetivos de política pública. Também reconheceu a necessidade de uma abordagem mais inclusiva, equitativa e equilibrada para o crescimento econômico que promova o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza, a felicidade e o bem-estar de todos os povos.
A resolução foi iniciada pelo Butão, um país que reconheceu o valor da felicidade nacional sobre a renda nacional desde o início dos anos 1970 e adotou a meta de felicidade nacional bruta sobre o produto interno bruto. Também sediou uma Reunião de Alto Nível com o tema Felicidade e Bem-estar: Definindo um Novo Paradigma Econômico, durante a 66ª sessão da Assembleia Geral.