Por que a indústria insiste em jogos megalomaníacos onde metade do tempo é perdida em minigames monótonos e longuíssimas sequências cinematográficas?
Texto: Guilherme Neto/TV Brasil*
Foto: © Rockstar Games/Divulgação
Enquanto alguns já se extasiam com os consoles da nova geração, parei para finalmente dar uma chance a Red Dead Redempion 2, eleito um dos melhores games de 2018 por diversas publicações, além do prêmio The Game Awards (quando perdeu para God of War).
Embora jogos de tiro em terceira pessoa em mundo aberto não sejam lá meu gênero favorito, me surpreendi com o quanto gostei do primeiro Red Dead Redemption no Xbox 360. A série Grand Theft Auto, da mesma desenvolvedora Rockstar Studios, nunca conseguiu me cativar, ainda que entenda todo o fenômeno e a importância por trás dessa famosa franquia. Red Dead Redemption, que traz muitas semelhanças em sua jogabilidade, acabou me cativando com seus vastos cenários em uma viagem ao início do século XX no Velho Oeste americano, além de uma experiência cinematográfica.
Com Red Dead Redemption 2 procurava uma versão evoluída do mesmo: muita ação e tiroteio, passeios a cavalo em belíssimos cenários e uma enxurrada de missões obrigatórias e opcionais para horas e mais horas de diversão. Tudo isso estava lá. Não sabia, porém, que também teria que administrar a fome do protagonista Arthur Morgan, se a roupa que vestia estava adequada ao frio das montanhas de neve, ou se o cavalo está limpo e bem cuidado.
Coloca casaco. Tira casaco. Abre cada uma das gavetas. Tira a poeira da espingarda. O cavalo está sujo e cansado, precisa de um banho e descansar. Arthur está um tanto moribundo, parece que vai desmaiar. O que será que tenho que fazer? Opa, onde será que meu chapéu caiu no meio desse tiroteio? E cadê minha pistola? Ah, está na sela do cavalo, cadê ele?
Eu queria bang-bang. Mas recebi um tamagotchi glorificado em resolução 4K. Pesquisando sobre a recepção do jogo à época do lançamento, pude perceber que o excesso de realismo é uma reclamação quase unânime entre os jogadores. Na minha opinião, experiências como as descritas nos parágrafos anteriores arruínam a experiência de jogar videogame e acaba sendo um entrave para a maioria das pessoas, atendendo a um nicho muito limitado de jogadores.
Red Dead Redemption 2 leva 48 horas em média para finalizar sua história principal, segundo o site How Long to Beat?, que levanta os dados de vários jogadores. O primeiro game, para efeito de comparação, dura “apenas” 18 horas. E se você quiser cumprir todas as missões extras, prepare-se para mais de 77 horas de jogo. Quem tem tempo para tudo isso? Segundo o Steam, apenas 20% dos jogadores que começam o jogo. Esse é o percentual de usuários da loja de games para computador que liberaram a conquista “Verão Sem Fim” ao fim do epílogo do game. Mais de 5 anos após o lançamento de The Witcher 3, que contabiliza mais de 50h de jogo em sua aventura principal, a parcela de jogadores que finalizou o jogo em qualquer dificuldade não chega a 30%.
Com números tão baixos, por que a indústria insiste em jogos megalomaníacos onde metade do tempo é perdida em minigames monótonos, longuíssimas sequências cinematográficas, distrações inúteis na jogabilidade e confusos sistemas de gerenciamento de saúde, inventário, vestiário ou qualquer outra coisa entediante que os desenvolvedores venham a imaginar?
Há quem diga que a busca por quantidade no lugar de qualidade vem para justificar o alto valor dos games, na comparação com um ingresso de cinema, por exemplo. Apesar disso, os jogos estão cada vez mais baratos à medida que eles se popularizam, com as plataformas digitais sendo priorizadas em relação ao varejo físico. Ainda assim, que tal deixar de lado o orçamento multimilionário dos jogos e cortá-lo pela metade, se isso resultar em um jogo menor, mais conciso, preciso e, consequentemente, mais barato?
Nas duas últimas gerações, vimos que há uma aposta maior em conteúdos desse tipo, principalmente quando vemos o cenário independente. Acho, porém, que há ainda muito a se evoluir nessa questão. A indústria, apesar de alguns avanços, ainda parece, em sua maioria, desenvolver jogos pensando em um jogador branco, heterossexual, ocidental, de apenas 20 anos e com muito tempo livre.
Eu provavelmente superarei os pontos negativos de Red Dead Redemption 2 e entrarei para o seleto grupo de 20% de jogadores que finalizam o game, ainda que leve muitas semanas para isso. Mas se a indústria de games quiser atrair um público cada vez mais plural e maior, já está mais que na hora de vermos produções AAA mais diversas e, principalmente, muito mais curtas e diretas.
*Guilherme Neto é apresentador do quadro Fliperama no programa Stadium, da TV Brasil.