Segundo dados do Centro de Controle de Doenças e Prevenção, dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 59 crianças; relatos marcam Dia Mundial da Conscientização do Autismo

 

 

Texto: Camila Maciel e Alana Gandra/Agência Brasil
Foto: AdobeStock

 

 

“Todo dia é dia de a gente se conscientizar sobre ser diferente, algo inerente à condição humana. O autismo é só mais uma das diferenças”, afirma a professora Mônica Costa, mãe do José Miguel, 5 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista com 1 ano e meio de idade. Neste 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo, mães relatam como o isolamento social tem sido desafiador para esse grupo social, mas afirmam que também é possível mostrar avanços no desenvolvimento.

 

Mônica, que é doutoranda em educação inclusiva, diz que o começo foi mais difícil, pois Miguel tinha uma rotina muito movimentada, com as atividades terapêuticas e a escola. “A pessoa com autismo é extremamente apegada a rituais, rotinas. Aí houve essa ruptura. Isso trouxe para ele sofrimento, entrava em crise durante o dia, chorava, se desorganizava. O que tentei fazer foi manter os mesmos horários e ir promovendo ao longo do dia atividades que ele costumava fazer”.

 

Os passeios de moto ao entardecer foram fundamentais para Anna Clara, 14 anos. “Ela gosta muito de andar de moto, então todo dia, no fim da tarde, a gente dava uma voltinha. Ela escolhia o caminho. Essa volta de moto era muito significativa, porque era o momento em que ela se soltava mesmo”, relata a mãe Laura Marsolla, também professora. Clara foi diagnosticada aos 7 anos com um grau leve do Espectro Autista. “Como é verbal, ela se comunica muito bem e ia dando dicas pra gente: estou com vontade disso, não quero aquilo.”

 

Karina Frizzi, psicóloga e analista do comportamento do Grupo Conduzir, clínica especializada, percebe que há muitos esforços dos pais nesse acompanhamento. “Os pais estão sempre preocupados em estimular os filhos, então acaba sendo uma carga grande, principalmente para as famílias que não tem um suporte”. 

 

Segundo dados do Centro de Controle de Doenças e Prevenção, dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 59 crianças. Ainda de acordo com o centro, pessoas com transtornos no desenvolvimento cognitivo, independentemente da idade, têm risco maior de contágio pelo novo coronavírus. Além disso, se forem infectadas, podem apresentar formas mais agudas da doença. 

 

Avanços

 

Apesar de apresentar mais dificuldades na interação social, Mônica afirma que percebe ganhos importantes de Miguel na comunicação e em atividades cotidianas. “Como estou em casa, pude acompanhar mais de perto esse processo de desfralde, por exemplo. São ganhos que para alguns podem ser pequenos, mas para ele são muito significativos: uma comunicação mais eficiente e ganhos de habilidade da vida diária, como se alimentar sozinho, desfraldar e usar o banheiro”.

 

Com Anna Clara, a necessidade de estabelecer uma rotina com as aulas online contribuíram para avanços na autonomia e responsabilidade. “A gente fica muito feliz em ver o quanto ela foi treinada na resolução de problemas nesse período”, relata Laura. A mãe lembra que também percebe dificuldades resultantes da falta de interação. “Na escola, ela acompanha a turma, a linguagem do pessoal, então vai aprendendo junto com os pares. Ficando em casa, já não tem essa troca”. 

 

 Diagnóstico

 

Por não se tratar de uma doença, mas de uma condição que tem relação com o desenvolvimento neural, tanto Mônica quanto Laura relatam dificuldades na definição do diagnóstico. “Essa busca não foi fácil. Ele era muito novo e também há essa cultura dos médicos de invalidar, deslegitimar a fala das mães, que por vezes dificulta o diagnóstico. Como o autismo é um conjunto de comportamentos, às vezes aqueles comportamentos não se manifestam no consultório do médico.”

 

O diagnóstico de Anna Clara, por sua vez, foi aos 7 anos. “Levamos em vários profissionais e eles diziam que viam algumas características que eram de autismo, mas ela tinha muita coisa que não era. Ela falava, conversava bastante, não tinha problema de pedir as coisas para os outros, olhava nos olhos, abraçava, era muito afetiva, então foi difícil fechar o diagnóstico”, lembra.

 

Desconhecimento

 

“A criança é mimada”, “A mãe não deu limite”, “A criança faz birra e se joga no chão”. Essas são alguma das frases e dos olhares condenatórios ao qual pais e responsáveis por pessoas com autismo precisam lidar. Por isso, informação é fundamental. As duas mães foram taxativas ao destacar a necessidade de mais conhecimento sobre essa condição na sociedade. 

 

“O autismo não determinará até onde ela vai chegar, ou deixar de chegar, são as condições, as possibilidades que são dadas a esse sujeito, as oportunidades sociais, escolares, de intervenções terapêuticas que vão fazer toda a diferença”, diz Mônica, acrescentando a necessidade de melhor acolhimento nos serviços de saúde. “Existem ações pontuais, mas é preciso uma política mais efetiva para garantir os direitos deles.”

 

“O desconhecimento do autismo era uma coisa que vivia em mim”, reconhece Laura. Ela conta que associava a condição às estereotipias, que são ações repetitivas ou ritualísticas vindas do movimento, da postura ou da fala. “Quando saiu o diagnóstico de que ela era autista, aí que nós fomos descobrir que existem muitas diferenças entre eles. E que ela é sim autista, e tudo bem.”

 

Projeto de acolhimento 

 

Enxergar o mundo através de outras perspectivas. É dessa forma que o empresário Henri Zylberstajn se refere, hoje, à experiência de ter um filho com Síndrome de Down. Na avaliação dele, é uma “oportunidade de vida” que acabou modificando para sempre a sua forma de enxergar a paternidade, a inclusão social e, até mesmo, o voluntariado.

 

Há três anos, quando seu filho caçula, Pedro, nasceu, ele não tinha ideia do que era essa síndrome. “Eu e minha esposa, Marina, fomos pegos de surpresa, já que a informação da síndrome só nos foi dada um dia depois do nascimento. E, por pura falta de informação e falta de oportunidade prévia de convívio com pessoas com condições análogas à do Pedro, eu, inicialmente, achei que era uma coisa ruim”, relembra o empresário. 

 

Henri Zylberstajn e do filho Pedro. Pedro mudou a forma de Henri olhar a paternidade e a inclusão social – Foto: ©Rafael Brilhante/Direitos Reservados

Pedro nasceu prematuro e ficou 21 dias na UTI. Durante esse período, Zylberstajn lembra que começou a receber muitas informações e se sentiu menos desamparado. “Pude perceber que tê-lo ao meu lado não era um castigo, não era algo ruim. Pelo contrário, era uma oportunidade de vida, de enxergar o mundo através de outras perspectivas”, destacou.

 

Do susto à aceitação, veio a promessa: ninguém ia olhar seu filho com os mesmos pré-conceitos que ele teve um dia.

 

Foi assim que Zylberstajn começou a se envolver na luta de pessoas com necessidades diferenciadas. Para dividir um pouco da jornada da família que, além de Pedro, contava com duas crianças um pouco mais velhas, eles criaram o perfil @pepozylber, no Instagram.

 

“A partir de então, eu comecei a ter contato com o terceiro setor, virei voluntário de instituições que atuavam com inclusão e acabei, pelo meu envolvimento, pelo alcance do Instagram, e pela vontade que as pessoas também tinham, fundando uma organização não governamental (ONG) que se chama Instituto Serendipidade.”

O nome significa descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso.

 

Inclusão e acolhimento

 

O propósito do instituto é transformar o olhar da sociedade e torná-lo mais empático ao tema inclusão. Entre iniciativas próprias do instituto está o Projeto Laços, cujo objetivo é fazer a ponte entre quem precisa de ajuda e quem já passou pela experiência de ter um filho atípico e tem muito a ensinar. O projeto capacita pais e mães em um método sistemático de acolhimento, que possa ser medido e repetido, sem deixar de respeitar as individualidades de cada família. 

 

Henri  Zylberstajn lembra que Pedro nasceu em um hospital de referência em São Paulo e, com isso, a família teve chances de conversar com vários especialistas, entre médicos, enfermeiros e psicólogos. Mas eles só se sentiram realmente acolhidos e conseguiram “virar a chave daquela notícia inesperada”, quando passaram a conversar com pais e mães de crianças com Síndrome de Down e que já tinham passado pela mesma situação.

 

“O Laços nasceu de uma experiência pessoal, de como é importante receber esse acolhimento de pais de crianças com Síndrome de Down”, disse, destacando a preocupação com famílias em situação de vulnerabilidade social.

 

O projeto teve início em 2019. O trabalho de acolhimento, que pode durar até um ano, é feito por uma rede de voluntários, conduzida pelas psicólogas Marina Zylberstajn e Claudia Sartori Zaclis e coordenada por Deise Campos e Fernanda Rodrigues.

 

“O método é o mesmo, tem diretrizes iguais para todos. Agora, cada acolhedor aplica essa metodologia com ajustes necessários à realidade e individualidade de cada família.”

 

Boy hands holding colorful puzzle heart in front of his face. World autism awareness day concept. Foto: AdobeStock

Todos os voluntários são pais e mães de filhos com Síndrome de Down, e o grupo busca a diversidade entre os integrantes reunindo pessoas de todas as regiões, de todas as classes sociais, raças e religiões.

 

“A gente acredita que, quanto maior o nível de identificação da situação e do nível socioeconômico, maior a possibilidade de a gente conseguir, por meio do acolhimento, se colocar no lugar daquela família e oferecer o serviço de uma maneira mais adequada”, disse Zylberstajn.

 

Mãe de Marina, de quase 2 anos, Érika Ramos afirma que participar do projeto deu a ela uma outra dimensão sobre a vida e os próximos passos. “Foi um divisor de águas para mim. No primeiro atendimento, fiquei três horas com a minha acolhedora ao telefone. Eu estava muito confusa e ela me ajudou bastante”, afirmou.

 

Segundo a voluntária Hadla Issa, que já deu suporte a três famílias, o atendimento varia, mas a vontade de acolher, não. “Umas [mães] me perguntam sobre assuntos práticos, outras me ligam quando estão tristes. Sou uma pessoa que sabe ouvi-las. Afinal, estamos na mesma”, declarou.

 

Hoje, o Projeto Laços tem uma equipe de 31 pais e mães voluntários no Brasil inteiro, que atendeu, ao longo dos últimos 18 meses, mais de 150 famílias brasileiras e do mundo. “Como os atendimentos hoje são todos online, a gente tem famílias do Canadá, da Austrália, da Espanha.”

 

Outras síndromes

 

Há cinco meses, o escopo do projeto foi ampliado e os voluntários passaram a atender famílias cujos filhos foram diagnosticados com outras síndromes e, até mesmo, com doenças raras. Na lista de casos atendidos estão a Síndrome de Williams, Síndrome de Prader Willi, Síndrome de Cornélia de Lange, paralisia cerebral, entre outras.

 

Uma das pessoas a receber o atendimento do projeto foi Fabíola Brandt Arrais de Sá, moradora de Recife, cujo filho, Miguel, foi diagnosticado com Síndrome de Williams [que tem impacto no desenvolvimento comportamental, cognitivo e motor] aos quatro meses.

 

“Descobri que era uma condição muito rara, só há registro de 1.200 casos no Brasil. Me senti perdida, mas o Projeto Laços me permitiu conhecer outra mãe que já tinha enfrentado tudo isso. No primeiro acolhimento, ela me contou sua experiência e não me senti mais só. Pude ver que a vida é cheia de possibilidades. Ela me ajudou a enxergar que meu bebê vai ter limitações, mas que há um caminho possível”, disse Fabíola  que recebeu o acolhimento de uma mãe de São Paulo.

 

Mãe de Isabela, uma jovem de 19 anos que nasceu com Síndrome de Rubinstein, a paulistana Flávia Piza decidiu se tornar uma voluntária do projeto. Ela espera dar a outras famílias o acolhimento que não recebeu. “Acho que passarei uma experiência mais empática para os pais que tiverem uma criança com a mesma síndrome. Eu sei exatamente o que o outro está sentindo. Os médicos, por melhor que sejam, não têm a mesma conexão”, afirmou.

 

Para se tornar voluntário do Projeto Laços, é preciso passar por um treinamento de três dias. O objetivo da capacitação de pais acolhedores é multiplicar o conhecimento e tornar os voluntários aptos para a escuta.

 

Os interessados podem entrar em contato por meio do site do Instituto Serendipidade.

O Projeto Laços é gratuito e conta com o apoio do hospital Israelita Albert Einstein.