Considerado um dos peixes mais nobres e saborosos pelos japoneses, o fugu possui a tetrodotoxina, considerada uma das toxinas mais letais que existe na natureza
Texto e fotos: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
No mar, o fugu – ou baiacu – é um dos peixes mais tranquilos. Quando o predador se aproxima, ao contrário de outras espécies, ele não foge. Continua a nadar despreocupadamente. Isto porque ele sabe que não será comido. Afinal, seu veneno, a tetrodotoxina, é considerado um dos mais letais que existe na natureza – ele é cem vezes mais poderoso que o cianureto de potássio, composto químico usado pelos soldados alemães na Segunda Guerra Mundial para cometer suicídio quando eram capturados.
Apesar do perigo, no Japão o peixe é um dos mais apreciados, depois do popular atum, e hoje pode ser encontrado até em supermercados. Por exigir uma técnica apurada para separar a carne boa para consumo da que contém o veneno, é preciso ter uma licença especial. “Não é fácil conseguir o documento e somente cozinheiros profissionais podem fazer a prova, depois de terem atuado como aprendizes por dois anos”, explica Masahiro Kobayashi, chef especializado em fugu. Anualmente, o índice de aprovação é de 40%.
Tanto cuidado não impede que cerca de 50 pessoas se intoxiquem, e destas pelo menos 30 morrem todo ano no país. A maioria por ter pescado por conta própria e feito o peixe em casa. Mas há também casos esporádicos de envenenamento em restaurantes não autorizados. Quando preparado de forma incorreta, o baiacu causa paralisia, dificuldade de respiração e perda da consciência.
Pratos caros
Muitos restaurantes de comida típica japonesa oferecem algum prato feito à base de fugu. Mas são os especializados, apesar de poucos, os mais procurados pelos japoneses. Cru, frito ou ensopado são as formas mais populares de se consumir o peixe. E o preço costuma ser bastante salgado. Dentre os vários tipos, o tora-fugu (baiacu-tigre) é o mais caro e mais delicioso, segundo especialistas – e também o mais venenoso.
No Japão, há registros históricos de mais de mil anos sobre o consumo desta espécie. Mas foi na era Meiji (1868 a 1912) que o prato se tornou popular. Até então, era proibido comer o fugu, mas algumas regiões do Japão mantinham a tradição e comiam escondido. Segundo a lenda, o tratado de paz para o fim da guerra sino-japonesa (1894-95) foi assinado num restaurante de fugu. O então primeiro-ministro japonês Hirobumi Ito ficou impressionado com o sabor do peixe, e liberou a sua comercialização. Mas exigiu que somente cozinheiros licenciados pudessem prepará-lo.
Shimonoseki, na província de Yamaguchi, é conhecida como cidade do baiacu. No Japão, cerca de 40 tipos diferentes de fugu são capturados ou criados em cativeiros, e consumidos. Recentemente, pesquisadores desenvolveram uma forma de criar o peixe sem o veneno. Mas essa variedade ainda não é 100% atóxica. “Existe a possibilidade natural do peixe criar essa auto-defesa”, explica Kobayashi.
Não quero morrer!
Está na Constituição do Japão: a família imperial é proibida de comer carne de baiacu. Afinal, mesmo com o desenvolvimento da habilidade dos chefs especializados, corre-se o risco – mesmo que mínimo – de ser envenenado. Na época do Japão feudal, os samurais também não podiam degustar o peixe. Por tudo isto, não é à toa que uma velha expressão é sempre lembrada pelos japoneses: “Quero comer fugu, mas não quero morrer!”
Tome cuidado!
O veneno: ele fica armazenado nas gônadas e outros tecidos viscerais do baiacu. A toxina – estudos recentes apontam uma origem bacteriana do produto – é uma das mais potentes da natureza. É encontrado também na pele de salamandras aquáticas, bodião, sapo Atelopus (da Costa Rica), determinados polvos, estrela-do-mar, anjo-do-mar, porco-espinho e caranguejo xantídeo.
Sintomas: dormência e/ou paralisação dos lábios e da língua, cerca de 20 minutos a 3 horas depois da ingestão do baiacu. Na sequência, outras partes do rosto ficam dormentes e a pessoa começa a ter dor de cabeça, rubor facial, náusea e diarréia. O quadro piora e a pessoa passa a ter dificuldade para andar. Nesta fase, é comum também quadros de hipotensão, convulsões, pupilas dilatadas, insuficiência respiratória.
Tratamento: não há antitoxina específica. Então, é preciso apenas monitorar as condições vitais e, em alguns casos, o médico pode fazer uma lavagem gástrica.