“O Diário da Minha Vida Ingrata” é uma fantasia inspirada em fatos e é ilustrada com 36 fotos dos gatos entre a vida no Japão e na Suécia
Texto: Redação/Record TV Japan
Foto: Divulgação
Todos os anos, o Ministério do Meio Ambiente do Japão divulga o número de cães e gatos que foram mortos nos Centros de Controle de Animais, os “hokenjo”. Em 2020, mais de 23 mil bichos de estimação que não encontraram um lar perderam as vidas. “Cada vez que eu me deparo com uma notícia dessas, penso que a Sabrina e o Tobias, meus gatos resgatados pela Organização Sem Fins Lucrativos (ONG) TRN Felinos Japan, escaparam por pouco desse destino cruel”, lembra a jornalista e escritora Ana Paula Bretschneider Ramos. “Eles sobreviveram porque tiveram sorte. Mas milhares de animais por ano sofrem abandono e acabam sacrificados”, pondera.
Inspirada pela trajetória dos gatos, Ana resolveu escrever um livro, o segundo de sua carreira, e que ganhou o título de “O Diário da Minha Vida Ingrata”. A história é contada pela gata Sabrina, que encontrou um caderno e decidiu transformar em diário. A obra tem personagens reais (incluindo a própria autora) e se desenvolve de acordo com a jornada que os gatos passaram de verdade. “Eles foram de um local de negligência para um abrigo de animais, depois para a minha casa em Hamamatsu e por fim acabaram na Suécia”, diz.
O livro é ilustrado com 36 fotos de Johannes Ahlström, namorado de Ana, tiradas entre a vida no Japão e na Suécia. Entretanto, muito mais do que contar uma história linda, Ana resolveu ajudar e vai doar todo o lucro da venda do livro na loja japonesa para a ONG. “Fico muito feliz em saber que o livro também vai ajudar outros gatinhos que estão precisando. É como se a Sabrina e o Tobias estivessem retribuindo tudo o que a ONG fez por eles e por nós”, comenta.
Confira o bate-papo que a Record TV Japan teve com a escritora e entenda mais sobre essa história incrível dos gatos dela.
Como surgiu a ideia do livro?
Ana: Essa história é engraçada! Preciso contar um pouco sobre como tudo começou para que faça sentido. No fim de 2018, fui fazer uma matéria sobre pets e visitei a ONG TNR Felinos Japan em Iwata (Shizuoka). Conheci de perto as dificuldades e falei que gostaria de ser lar temporário e ter um gatinho. Eu morava em apartamento onde era proibido ter bichos na época, então nem estava levando a sério, apesar de que realmente queria. Em fevereiro de 2019, eles me contataram porque precisavam resgatar 14 gatos da casa de uma brasileira em Toyoake (Aichi).
Era uma acumuladora, ela tinha perdido o controle e estava sendo despejada. Se não tirassem os gatos em uma semana de lá, a carrocinha ia levar e sacrificar, literalmente! Então, eu aceitei ficar com dois gatos até achar um dono. Recebi os gatos em casa e dei os nomes: Sabrina e Tobias. Eles estavam desnutridos e gripados. Eu não tinha experiência com gatos, mas cuidei deles e dei remédios. Aos poucos eles foram melhorando e eu fui me apegando. Depois, devolvi ao abrigo, em maio de 2019, porque tinha uma viagem marcada ao Havaí. Na volta, eu quase perdi os gatos! Eles foram para outra casa e não deu certo, acabaram voltando para mim em agosto daquele ano e eu oficializei a adoção. O Johannes (Ahlström), lá da Suécia, já tinha me visitado, visto os gatos e também se apaixonou. Ele concordou com a adoção e pensamos em como levá-los para a Suécia quando eu me mudasse do Japão. Um dia, a gente fazia uma chamada de vídeo (eu em Hamamatsu e ele na Suécia) e o Johannes editava fotos dos gatos e viu uma da Sabrina e me disse que aquela foto iria para a página de apresentação do autor se a Sabrina fosse uma escritora. Na hora eu pensei: “por que não tornar a Sabrina uma escritora?”. Então tive a ideia e o nome do livro “O Diário da Minha Vida Ingrata” surgiu na hora na minha cabeça. Achei um máximo pegar a trajetória dos gatinhos e transformar em um romance contado por eles mesmos, misturando ficção com não-ficção. E como o Johannes é fotógrafo e tem uma coleção de fotos lindas dos gatos no Japão e na Suécia, utilizei as imagens para ilustrar essa aventura.
Você sempre foi uma “amante de gatos”?
Ana: Pior que não (risos). Eu sempre gostei mais de cachorro, tinha aquela impressão de que gato era independente demais, não dava importância para a nossa companhia. E que engano! Fui me interessar por gatos pela primeira vez por causa do Johannes, que sempre teve gatos, era apaixonado por eles e me dizia o contrário disso.
Depois, quando tive a oportunidade de conviver com a Sabrina e o Tobias, eu percebi que são mesmo uns amorzinhos. Eles fizeram muita diferença na minha vida, pois vieram para a minha casa em um momento em que eu me sentia muito sozinha. Sofria com a solidão de estar longe do namorado e da família, de não ter muitos amigos na cidade. Eles curaram o meu coração e sou muito grata por isso.
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A história do livro é baseada em situações reais e ficção. Qual a mensagem que você quis passar?
Ana: O livro tem várias mensagens! Algumas eu não posso revelar porque acabaria entregando o final da história, mas tem a ver com os aprendizados da Sabrina durante a aventura dela e sobre como não faz sentido valorizarmos os animais de raça enquanto tem tantos abandonos e bichinhos sofrendo por aí. Quis gerar um pouco de consciência com a causa animal, fazer questionamentos sobre criadouros, pet shops e toda essa indústria que transforma vidas em dinheiro.
Por que doar toda a renda do livro para uma ONG?
Ana: Não é toda a renda do livro, é toda a renda gerada na loja japonesa. Tive essa ideia para ajudar e agradecer a ONG que resgatou a Sabrina e o Tobias. Tenho muita consciência de que poderiam ter sido sacrificados se não fossem esses anjos que se dedicam a salvar os animais nessas situações. Eu também conheci de perto o trabalho que eles fazem, sei como passam dificuldades. É uma luta manter o abrigo com poucas doações, situação que piorou com a pandemia e os deixou várias vezes a beira de fechar as portas. Espero que o livro também dê forças para que continuem esse trabalho.
Mas este não foi o único objetivo. Penso que destinar a renda da loja japonesa para a ONG incentiva a comunidade brasileira a apoiar o trabalho deles e ajuda a divulgar ainda mais o abrigo. Além disso, é uma forma de incentivar a leitura e ao mesmo tempo a valorização da literatura nacional, que ainda sofre muito preconceito. Foi realmente uma maneira de fazer um bem generalizado do ponto de vista cultural e da causa animal. Eu estou muito feliz com essa decisão.
Você acha que, com a sociedade colada na tela das redes sociais, ficou mais fácil denunciar abusos contra animais?
Ana: Com certeza. Ficou mais fácil agitar coisas no digital que vão resultar em boas ações no mundo off-line. Podemos divulgar causas, criar campanhas de arrecadação de fundos, fazer denúncias e mobilizar voluntários e doações. Precisamos usar essas ferramentas digitais com o propósito de fazer o bem, aproveitando os recursos para melhorar o mundo do nosso jeito.
Como você vê a questão do abandono/abuso de animais no Japão em comparação com outros países?
Ana: Não sei detalhes sobre como funciona em outros países para traçar um comparativo. Mas, por exemplo, na Suécia eu vejo que os pet shops não vendem cães e gatos. Em 2018, o Reino Unido proibiu a venda de filhotes nesses estabelecimentos, então vemos que há uma movimentação nessa direção.
No Japão, eu já conheci um criadouro horrível, com gatos de raça que estavam atrofiando as patas e desenvolvendo problemas cardíacos por ficarem presos em gaiolas pequenas por meses ou até mais de um ano, com pouca ração e água. O dono disse que tinha 50 anos de funcionamento e o lugar nunca recebeu uma ordem de fechamento apesar das condições precárias.
No ano passado, mais de 23 mil cães e gatos foram sacrificados no Japão em todos os Centros de Controle de Animais (Hokenjo) do país. Esses dados são do Ministério do Meio Ambiente e em 2010, o número de animais sacrificados no ano passou de 204 mil! A gente vê que o Japão tem tentado melhorar, algumas províncias têm políticas e parcerias com ONGs para tentar reduzir e de preferência zerar esses números, mas a prática de matar os pets que acabam sem donos continua todos os dias.
Quais os próximos projetos literários?
Ana: Esse foi o meu segundo livro publicado, mas é o quarto que eu escrevo. Tem uma história que comecei em 2018 e pretendo reescrever agora que tenho mais experiência com a ficção e penso que será o meu próximo livro. Essa história também é de fantasia e tem protagonistas que são brasileiros em Hamamatsu e vão para um mundo paralelo depois de passar por um portal da Caverna Ryugashido, que existe na área rural da cidade.
Mas o meu coração está pendendo para o lado do suspense além da fantasia. Sinto um pouco de vontade de começar um projeto novo no estilo do meu primeiro livro, “O Oitavo Andar”, trabalhando uma história que seja cheia de tensões e reviravoltas. Ainda estou para planejar os próximos passos.
Sobre a TRN Felinos Japan:
Página da ONG: https://www.facebook.com/npotnr/
Site: https://www.npotnr.org/