Jovens que cresceram no Japão estão abrindo as portas do futuro ao estudar em países como Nova Zelândia, Áustria e Reino Unido

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

 

 

O contexto educacional do jovem brasileiro no Japão é repleto de desafios. A dificuldade com o idioma, a cultura, o sistema da escola japonesa e ainda os obstáculos para a vida universitária. A faculdade mesmo pública gera despesas e pode exigir um nível avançado de japonês, o que faz com que muitos desistam de tentar a graduação.

 

Não é raro ver jovens que saíram do “koukkou” (ensino médio) e foram para as fábricas, seguindo os passos dos pais, ou que ainda desistiram do ensino médio e começaram a trabalhar após a conclusão do nível ginasial. Neste cenário, as oportunidades de intercâmbio fora do Japão surgem como um novo caminho a trilhar.

 

“Vi muitos casos de pessoas voltando do intercâmbio ou ficando no país depois do período de estudos. Pessoas que conseguiram continuar os estudos, entrar na universidade ou arrumaram um emprego. A gente pode ver que o intercâmbio tem um impacto muito grande na vida do jovem”, comenta Rafaela Yoshy, que criou a Unfold, uma consultoria que orienta a carreira de jovens brasileiros no Japão.

 

Rafaela veio com dois anos de idade do Brasil e cresceu no Japão estudando em escolas japonesas. Desde a época do ensino médio, cursado em meio aos efeitos da crise financeira de 2008, desenvolveu o desejo de fazer intercâmbio. Ela superou as dificuldades financeiras da família, conseguiu bolsas e oportunidades ao vencer concursos de oratória em inglês e espanhol.

 

A brasileira estudou por um tempo na Nova Zelândia, Espanha e passou 10 meses na Polônia enquanto cursava relações internacionais na Unversidade Kyoto Sangyo, na cidade de Quioto. Depois de reunir experiência, aconselhar informalmente muitos jovens interessados e conhecer suas dificuldades, decidiu iniciar o serviço de consultoria, que ajuda com um planejamento não só de estudo fora do país, mas de um futuro profissional ao retornar para o Japão.

 

Rafaela Yoshiy ajuda jovens a realizar o sonho do intercâmbio – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

“Eu percebi que muitas pessoas que falavam que queriam fazer intercâmbio acabavam não fazendo e, os que faziam, quando voltavam ao Japão, retornavam para a fábrica. Estudar fora não é garantia de solução aos problemas dos jovens brasileiros. O que estava faltando mesmo era um planejamento de carreira, pensando no depois”, explicou.

 

O intercâmbio pode abrir um leque de possibilidades, mas tudo depende do que o jovem irá fazer com a oportunidade e como utilizará no futuro. “No geral, a experiência é algo único na vida da pessoa. Você aprende muita coisa, muda a forma como vê o mundo. Você conhece tantas pessoas com histórias bem diferentes e isto ajuda a ter uma mente mais aberta sobre carreira e educação”, afirmou.

 

Vida na Europa

 

Erica Muramoto, que vive com o marido Sergio em Gunma, contou para a Record TV Japan sobre as oportunidades que os filhos, Lucas (21) e Laura (17), encontraram fora do Japão. Os jovens nasceram no Brasil, cresceram no Japão, se desenvolveram do ponto de vista cultural e linguístico e acabaram com uma perspectiva de futuro mais ampla.

 

Aos 18 anos, Lucas foi admitido na Universidade Mozarteum em Salzburg, na Áustria, depois de iniciar uma carreira precoce na música clássica. O jovem, que fala português, inglês e japonês com fluência, está estudando alemão e construindo um futuro através das oportunidades no país europeu.

 

A irmã Laura, que está no 3° ano do ensino médio em Gunma, se prepara para ingressar em uma faculdade na Inglaterra (Reino Unido) no próximo ano. 

 

“No caso dela, houve a influência positiva do irmão, que motivou a decisão final de estudar fora do Japão. Acredito que ter sido criada por uma família que incentiva o multiculturalismo e multilinguismo e ter a coragem de conhecer além do que o fluxo normal da vida apresenta, também foi outro fator nesta decisão”, sugeriu Erica.

 

Para que os filhos se desenvolvessem no Japão com um leque de oportunidades maior, o casal conta que priorizou a educação dos filhos e isto abriu portas para as possibilidades que se desenharam durante a infância.

 

“Os dois estudaram na escola internacional ICS (International Community School) em Gunma e depois na escola japonesa. Nós sempre apoiamos as habilidades linguísticas, musicais e de esportes das crianças como atividades extracurriculares”, disse.

 

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O encontro de Lucas com a música clássica, que acabou o levando para a Áustria, aconteceu aos seis anos de idade, durante um projeto da ICS. O interesse pela música aumentou na adolescência e aos 16 anos, o jovem foi ao Brasil para descobrir as raízes e a diversidade musical. Acabou ingressando na Academia de Música da Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), onde adquiriu experiência antes de partir para a Áustria.

 

“Eu e o meu esposo aconselhamos que outros pais consigam encontrar o melhor caminho para seus filhos. Cada caso é um caso e não devemos nos comparar. Mas, para que os planos aconteçam, precisamos buscar ajuda, nos arriscar e procurar pessoas que possam dar oportunidades, dicas e conselhos”, sugeriu.

 

Erica, que acompanha com orgulho a experiência e trajetória dos filhos, também tem um conselho aos jovens que querem trilhar caminhos fora do Japão e desenvolver uma carreira profissional satisfatória.

 

“Gostaríamos de lembrar que cada jovem tem dons e habilidades diferentes. Ter noção do que se gosta é o primeiro passo. Cada um irá usar essas ferramentas de diferentes formas durante a vida, então, se fizermos o que gostamos, muitas portas se abrirão. É essencial observar o passado, analisar os resultados até o momento e projetar o futuro”, diz.

 

Dificuldades e desafios 

 

Conhecer um país diferente, aprender inglês na prática ou outro idioma e mergulhar em uma nova cultura é algo muito atrativo. Mesmo para os jovens brasileiros, que crescem em um ambiente internacionalizado no Japão, a ideia de passar uma temporada em um país de língua inglesa ou europeu soa como um convite para o desenvolvimento pessoal e uma promessa de futuro.

 

Mesmo assim, não basta apenas querer e o planejamento de um intercâmbio também apresenta suas dificuldades. A consultora Rafaela explica que uma das barreiras ao sonho é a financeira, já que um intercâmbio exige um investimento alto. Mas a boa notícia é que é possível superar este problema e muitos jovens conseguem com a ajuda dos pais ou mesmo sozinhos.

 

“Há muitos que juntam dinheiro trabalhando em fábricas ou os pais têm uma reserva. As vezes são os pais que querem que os filhos façam e se preparam para isto. A condição financeira é uma dificuldade para os jovens, mas não é algo que impossibilite este sonho”, diz.

 

Para Rafaela, os custos de um intercâmbio são mais fáceis de administrar do que de uma universidade, por exemplo, que tem um valor fixo. “Você consegue ajustar as verbas para estudar fora. Se você cortar um mês, por exemplo, você reduz um mês de despesas. Dependendo do destino, é possível trabalhar e estudar ao mesmo tempo”, conta.

 

Outra dificuldade para muitos jovens é o inglês, já que o idioma é pouco utilizado no Japão e o país não oferece um estudo forte da língua considerada universal. Rafaela acredita que o ideal é o jovem embarcar para outro país com algum conhecimento da língua, para tirar mais proveito da experiência.

 

“Muitas pessoas acham que é simplesmente pegar um avião e ir fazer intercâmbio. Você pode fazer isso, mas não seria tão proveitoso quanto ir sabendo o básico. As vezes as pessoas demoram para obter um nível de inglês satisfatório e mesmo o intermediário não é suficiente para entrar em uma universidade no exterior”, alerta.

 

O jovem interessado em um intercâmbio deve pensar em estudar inglês, aprender pelo menos o básico do idioma e se planejar com antecedência para viver a experiência em um outro país e no melhor momento possível.

 

“Eu recomendo que as pessoas que querem fazer parem apenas de sonhar e comecem a se planejar de verdade. Escolha uma data, um país e seja realista. Eu sempre aconselho a manter a mente aberta. A gente tende a pensar nos Estados Unidos, Canadá, mas tem tantos outros destinos, como as Filipinas, que é um país barato e excelente para aprender inglês. É bom quebrar preconceitos e cogitar também uma experiência em países que não são de primeiro mundo”, aconselha.

 

Todos esses detalhes são decisões que devem ser tomadas durante o planejamento, mas o jovem interessado deve ficar atento para não focar apenas no intercâmbio e esquecer do futuro.

 

“Volto a bater nesta tecla do depois. Planeje também o depois, O que você vai fazer quando voltar? Lembre-se de que o intercâmbio não é o seu objetivo final, é o meio para você chegar aonde deseja”, frisou.