País é criticado pela carência no tratamento de saúde mental e muitos brasileiros buscam terapias alternativas para fugir dos medicamentos psiquiátricos

 

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Redação Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

 

Caracterizada pelo desalento, a perda de interesse na vida e a ausência de sentimentos bons, a depressão é uma doença psiquiátrica séria, que coloca a vida do paciente em risco e que ainda não é amplamente compreendida na sociedade.

 

No Japão, muitos fatores da vida pessoal, as influências da rotina e os impactos da pandemia provocaram diagnósticos de depressão na comunidade brasileira. Os imigrantes que desenvolvem a doença enfrentam o sofrimento diário e ao mesmo tempo, as dificuldades em obter um tratamento de saúde mental adequado.

 

Para a psicanalista Carine Sayuri Goto, que atende pelo Amae Institute, a maneira como as doenças que provocam sofrimento psíquico são tratadas no Japão, apenas com medicamentos psiquiátricos, não ajudam o paciente na recuperação a longo prazo.

 

“O Japão não oferece opções de tratamento que não sejam medicamentosas. Um sofrimento que tem a ver com a complexidade do ser humano é reduzido à solução mágica da medicação psiquiátrica e isto não dá bons resultados”, adverte.

 

Ao tomar os medicamentos por um longo período, o paciente passa a sofrer consequências de saúde, dependência e agravamento das crises. “As pessoas que sofrem com a depressão devem considerar o tratamento psiquiátrico como uma estratégia secundária. O remédio provoca uma melhora inicial e é preciso aproveitar esse tempo para procurar outra forma de tratamento”, aconselha.

 

A brasileira Beatriz Tonon (23), mora em Iwata, na província de Shizuoka e luta contra a depressão. Ela conta que foi diagnosticada no Brasil, mas continuou enfrentando as dificuldades da doença ao chegar no país oriental.

 

“Nós nos mudamos para o Japão e logo veio a pandemia. Eu não consegui emprego e não tinha dinheiro para colocar o meu filho na creche. Isso já tinha servido como gatilho e então descobri que estava grávida do meu segundo filho”, contou.

 

Ela passou a sofrer as consequências da doença e perdeu o ânimo até para sair da cama. Com o apoio do marido, começou a se consultar com um psicólogo brasileiro, mas passou por novo baque quando contou sobre a depressão para o médico do pré-natal.

 

“Ele me encaminhou para um psiquiatra e o médico me recomendou um remédio que poderia matar o bebê ou nascer com problemas”, contou. Desesperada, Beatriz pediu um medicamento mais leve em consideração à gravidez. “Então, ele disse que a prioridade era a minha vida e não importava se o bebê nascesse com problemas no pulmão ou morto. Depois disso não saí da cama nem comi por uma semana”, revelou.

 

A experiência negativa fez com que ela desenvolvesse um medo de se consultar com o psiquiatra novamente. Beatriz procurou outras alternativas de tratamento, passou a tocar teclado como terapia, usar óleos de essência e continuou as consultas com o psicólogo, sem o tratamento com remédios.

 

“As vezes ainda fico depressiva, mas com o tempo vai melhorando e vou entendendo mais a mim mesma e tudo o que causa essas situações”, disse.

 

Depressão após um aneurisma

 

Cintia Hikita (40) esteve entre a vida e a morte e sobreviveu, mas desencadeou uma depressão como consequência do que passou. A brasileira que vive em Iga (Mie), chegou no Japão e em 2018 e em 2019, sofreu um aneurisma cerebral agressivo.

 

“Meu olho fechou. Eu fui para o médico e ele fez o exame no cérebro e constatou um aneurisma de 1 mm, que estava encostado no nervo ótico. Eu me internei e no dia seguinte, o aneurisma já tinha 4 mm. O médico disse que não poderia fazer cirurgia porque era muito arriscado e ele me deu de duas semanas a dois meses de vida”, relatou.

 

Diante do cenário trágico, a brasileira pediu para que a cirurgia fosse feita, apesar do risco de morrer ou ficar em estado vegetativo, pois era sua única chance. O médico encontrou um especialista para o procedimento e ela assinou termos de responsabilidade própria.

 

“O aneurisma já tinha 5 mm, se chegasse a 7 mm, poderia estourar e eu teria um derrame e morreria. Eles fizeram várias aberturas no meu crânio, fiquei 8 horas em coma induzido e depois me recuperei. Três dias depois, meu olho começou a abrir”, contou.

 

Apesar do drama da situação, o risco de vida e os procedimentos delicados, Cintia conta que não teve grandes reações enquanto tudo acontecia. O cenário se desenrolou da melhor forma possível, mas depois de recuperada, passou a sofrer com a depressão.

 

“Na hora eu levei tudo numa boa. Fui demitida da fábrica no dia da cirurgia e não fiquei triste. Eu sorria, brincava, recebia visitas e tentava me distrair. Depois comecei a ficar cansada de estar em casa. Fiz a cirugia em maio de 2019 e voltei a trabalhar em novembro, acreditando que as coisas iam melhorar”, explicou.

 

Mas não melhoraram. O trabalho gerou estresse, a pandemia veio e mexeu com as emoções.

 

“Sou do grupo de risco e se pegasse a doença, podia não sobreviver. Em fevereiro deste ano, a fábrica teve um surto de covid-19 e por sorte eu estava de folga na semana. Eu não queria mais voltar a trabalhar e só chorava”, disse.

 

Cintia foi no psiquiatra e iniciou um tratamento com medicação, depois de receber um diagnóstico de depressão, ansiedade e síndrome do pânico.

 

“Hoje em dia eu tento levar uma vida normal, mas não dirijo sozinha, não saio sozinha de casa. Quando meu marido está trabalhando e as minhas filhas na escola, eu me fecho no quarto e fico assistindo televisão, é o meu porto seguro. Minha rotina mudou, eu era ativa e organizada e hoje preciso de ajuda em casa”, desabafou.

 

A brasileira descreve a luta contra a depressão como uma batalha diária, em que é preciso ter um dia de cada vez. Os altos e baixos são constantes e as crises aparecem de repente.

 

“Se hoje eu consegui arrumar o meu armário, ótimo. Amanhã talvez eu passe o dia na cama. A gente sofre com isso e as pessoas que estão ao nosso lado sofrem também. É uma doença muito triste”, revela.

 

Terapias alternativas

 

Buscar outros tratamentos de saúde mental além da medicação pode ser a saída para uma recuperação. Thaís Kakazu (31), que mora em Echizen (Fukui), conta que tem enfrentado a depressão desse jeito.

 

Thaís Kakazu buscou tratamentos alternativos para a depressão e tem obtido bons resultados – Foto: Arquivo pessoal/Cedida

Ela desencadeou a doença depois de passar por três gestações consecutivas e perder a mãe, que estava no Brasil e sofreu um infarto.

 

“No início de 2020, meu marido comentou que eu estava estranha e devia procurar um especialista. Procurei uma psicóloga e com o passar do tempo, fui diagnosticada. Eu não notei no início porque acreditava que a depressão era um sentimento de tristeza e eu não sentia isso, mas também não sentia nada. Não tinha alegria, não queria sair de casa”, contou.

 

Thaís acabou não tomando remédio, iniciou a terapia com a psicóloga e foi atrás de medicina alternativa. A brasileira começou a fazer aromaterapia e foi melhorando, apesar de ter desenvolvido também crises de ansiedade.

 

“Quando descobri a depressão, eu foquei em fazer o tratamento com terapia para realmente tratar a causa dela e não somente tomar remédios e ficar dopada. A terapia é muito importante para você se conhecer, saber seus limites e entender o outro. O dia a dia no Japão é sofrido, pesado e solitário e a terapia ajuda a recuperar a sua essência”, disse.

 

A psicanalista Carine Sayuri Goto, também acredita que as pressões da vida no Japão contribuem com o desenvolvimento de um sofrimento psíquico.

 

Carine Sayuri Goto, psicanalista do Amae Institute – Foto: Arquivo pessoal/Cedida

“É muito comum que as pessoas que chegam aqui no Japão, neste contexto do trabalho que é intensificado, acabem desenvolvendo ansiedade e depressão. O trabalho e a sociedade colocam o sujeito em um lugar em que ele é super exigido e ele entende que tudo o que acontece é culpa dele, o fracasso e o sucesso. As empresas exigem muito o viver para o trabalho, sem outras possibilidades de enxergar a vida”, explica.

 

Neste cenário, que inclui distanciamento dos familiares que ficaram no Brasil, excesso de horas extras, pouca convivência familiar e outras questões, trabalhar a saúde mental se torna um dever de casa para qualquer indivíduo.

 

“A psicanálise é definida como a cura pela fala. A partir do momento em que a pessoa consegue revisitar sua história de vida e costurar o porquê do sofrimento, é possível que esse sofrimento como um sintoma, se torne banal. Algo incapacitante se torna pequeno, como os momentos de alegria e tristeza do dia a dia”, assinala.

 

A cura para a depressão é um assunto cheio de controversas, mas Carine acredita que ninguém precisa sofrer com o martírio da doença para sempre.

 

“É possível passar pela depressão e retomar a vida. Mas quando você aposta apenas na medicação como tratamento, você não consegue mais sair dela, por isso há médicos que dizem que não tem cura”, sugeriu.