Vanessa Handa é a autora do “Manual Sobre Previdência e Assistência Social no Japão”, elaborado pelo Consulado-Geral do Brasil em Tóquio e disponibilizado gratuitamente para download
Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: Reprodução
A comunidade brasileira no Japão está envelhecendo e a falta de informação e de planejamento previdenciário tem se tornado uma fonte de preocupação para os consulados do Brasil e especialistas na área.
No fim do mês passado, o Consulado-Geral do Brasil em Tóquio lançou a segunda edição do “Manual Sobre Previdência e Assistência Social no Japão”, que pode ser baixado gratuitamente no site .
O material foi escrito pela consultora e especialista em legislação previdenciária e trabalhista no Japão, Vanessa Handa, que atua no Espaço do Empreendedor Brasileiro do Consulado-geral do Brasil em Hamamatsu. Ela atende casos de trabalhadores que estão em idade de se aposentar e que possuem dúvidas sobre previdência, seguros e pensões.
“Muitos brasileiros em idade de se aposentar estão recebendo o valor mínimo e continuam trabalhando para complementar a renda. A questão é como vai ser quando não puderem mais trabalhar. A gente vê com tristeza essa situação. São brasileiros que estão há 25 ou 30 anos no país e não conseguiram fazer este planejamento”, alertou.
Já se passaram mais de três décadas desde que os primeiros descendentes migraram da América Latina ao Japão. A dificuldade de entender o sistema previdenciário, falta de planejamento e de informações corretas tem culminado em uma realidade trágica. Muitas pessoas que passaram anos trabalhando no Japão, estão chegando na terceira idade e estão percebendo as dificuldades em viver do benefício.
O material foi elaborado com o intuito de trazer esclarecimentos e orientações aos que estão em idade produtiva e devem definir os rumos da terceira idade. Segundo os dados do governo japonês, enfatizados no próprio manual, há cerca de 20 mil brasileiros com mais de 60 anos vivendo no país. A expectativa é que este número ultrapasse a marca de 45 mil pessoas até 2030.
Desafios
Em entrevista para a Record TV Japan, Vanessa Handa falou sobre a realidade dos brasileiros que já atingiram a terceira idade, os equívocos com relação ao sistema e as razões para que os trabalhadores em idade produtiva comecem a se preocupar, ainda que estejam distantes da idade de se aposentar.
Quais são os principais desafios para os brasileiros em idade produtiva que pretendem se aposentar no Japão?
Percebo pelas pessoas que tenho atendido que um grande desafio é de obter informações sobre a previdência, tanto no Brasil quanto no Japão. A maioria das pessoas deixa para pensar nisso apenas quando estão perto de se aposentar, com 50 ou 60 anos. Vejo também que muitas pessoas têm a ideia de não pagar a previdência e fazer uma poupança sozinho ou investir em uma opção privada. Mas no final acabam não fazendo nem um e nem outro.
Outra questão do trabalhador em idade produtiva (30 a 40 anos), é não entender o sistema em ambos os países. Existe a ideia de que a aposentadoria serve apenas para quando envelhecer, mas na verdade se trata de um seguro social para o caso de sofrer uma doença, um acidente e ter que recorrer ao benefício por invalidez. Só quem está contribuindo tem direito. E há também a pensão por morte. Se você falecer hoje, como ficará a sua família? Estão assegurados? É algo para se pensar.
A indecisão entre ficar no Japão ou voltar para o Brasil também é um obstáculo para o planejamento. Apesar de que hoje em dia este problema tem diminuído, pois muitos que vieram jovens ao Japão já decidiram se estabelecer por aqui. De modo geral, podemos resumir os desafios em dois: entender o sistema e fazer um planejamento previdenciário.
Qual é o cenário dos brasileiros que já passaram dos 60 anos hoje?
Tenho orientado muitos casos e vejo que são poucas as pessoas que conseguem se aposentar com um valor de benefício interessante. A maioria está se aposentando com o tempo mínimo de 10 anos de contribuição e o valor é muito baixo, cerca de ¥20 mil ou ¥30 mil por mês (pagos uma vez a cada dois meses).
No fim, o resultado não é muito diferente dos japoneses. Mesmo após os 60 anos, eles recebem a aposentadoria e continuam trabalhando para completar a renda. São poucos os que eu atendi com 25 ou 30 anos de contribuição e mesmo assim o valor não é tão alto.
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Há muitas pessoas que estão arrependidas por não terem se preocupado mais cedo?
Sim, com certeza. As pessoas reclamam que não tinha informação quando chegaram e não sabiam que tinham que pagar ou a empresa não obrigava a pagar o seguro social (shakai hoken). Há muitas questões e dúvidas sobre isto. Algumas pessoas pagavam o kokumin hoken (seguro de saúde público) e acreditavam que estavam pagando a previdência, que é o “kokumin nenkin“. São duas coisas separadas.
Tem pessoas que mesmo com as informações corretas não pagavam pensando que voltariam a pagar a previdência quando retornassem ao Brasil ou ainda decidiam não pagar por saber que o valor que teriam direito no futuro é baixo. Essas pessoas estão arrependidas hoje, porque este valor baixo com certeza está fazendo falta na vida delas.
O mesmo vale para o Brasil, um salário mínimo é pouco, mas pode ajudar. Ajuda a complementar o orçamento de casa. Muitas pessoas se arrependem de não ter feito um plano previdenciário e planejado melhor o futuro na velhice, fazendo uma poupança para a terceira idade e não apenas para outras coisas, como casa, carro e estudo dos filhos.
Que tipo de informação falta aos brasileiros no Japão?
É importante que os brasileiros tenham conhecimento sobre quais são os deveres e os direitos, tanto no Brasil quanto no Japão. No Japão é obrigado a pagar e já que é obrigatório, quais são os direitos e os benefícios? O que eu tenho que fazer para não ser prejudicado? Se a pessoa não pode pagar a previdência, precisa ir a um escritório de pensão (nenkin jimusho) e pedir isenção no pagamento.
Se a pessoa ficar inadimplente por alguns períodos, isto interfere no benefício. Atendi duas pessoas recentemente que não tiveram direito à pensão por morte, apesar de o marido ter contribuído por 15 ou 20 anos. Quando foram solicitar o benefício, descobriram que havia lacunas de inadimplência. Se ele tivesse pedido isenção nos períodos de dificuldade financeira, isto não teria acontecido. É um problema gerado pela falta de informação.
Vale a pena contribuir também com o INSS, mesmo que não tenha intenção de se aposentar no Brasil?
É difícil falar se compensa ou não pagar, mas gosto de dar exemplos das pessoas que eu atendo. Tem pessoas que mesmo não pretendendo voltar ao Brasil continuaram contribuindo e hoje recebem a aposentadoria do Japão e a do Brasil como complemento. Se receber ¥50 mil ou ¥60 mil do Japão e juntar com mais ¥20 mil ou ¥30 mil do Brasil, faz a diferença.
Tem ainda a situação dos que falaram que jamais voltariam ao Brasil, mas aconteceram problemas na família e tiveram que retornar. Quando voltaram, se sentiram mais tranquilos por saber que teriam pelo menos uma aposentadoria no Japão e um salário mínimo para se manter.
Então, tudo é questão de planejamento. É difícil prever o futuro, mas a gente nunca sabe o dia de amanhã. Hoje eu falo que a previdência serve para duas coisas: assegurar o presente no caso de invalidez ou morte e garantir o futuro, no momento em que for parar de trabalhar e tenha direito pelo menos ao valor mínimo para ajudar na renda. É muito importante obter informações e ficar a par da situação previdenciária.