Decisão de Yoshihide Suga de não concorrer à reeleição chocou autoridades. Análises sugerem que a desistência é fruto da baixa popularidade e pouco apoio no partido

 

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: ©Gabinete do Primeiro-Ministro

 

 

 

 

Depois de um ano de atuação, marcado pelo baixo desempenho e as críticas, o premiê do Japão, Yoshihide Suga, decidiu jogar a toalha. Na sexta-feira (3), o atual chefe de governo anunciou que não irá se candidatar à reeleição, agendada para o fim deste mês.

 

Faz um ano que Suga substituiu Shinzo Abe, o ex-primeiro-ministro que ficou mais tempo no poder, entre 2012 e 2020. O Partido Liberal Democrata (PLD) deve escolher o próximo líder em eleições internas. A desistência de Suga tem sido relacionada às dificuldades em conter a pandemia e reavivar a economia do país.

 

De acordo com a Agência de Notícias Reuters, Suga deu uma declaração que indica seu desânimo em continuar gestando a crise de saúde que assola o Japão e vem impactando fortemente na atividade econômica.

 

“Participar das eleições significa administrar as medidas preventivas contra a covid-19 e isto irá exigir uma boa dose de energia”, considerou.

 

Na manhã deste sábado (4), o Jornal Asahi publicou um editorial tecendo duras críticas à atuação de Suga e sua decisão de deixar o cargo em um momento delicado, apesar da grande responsabilidade em proteger a vida e a seguridade social da população.

 

O jornal considerou que a desistência de concorrer é resultado direto de um processo de perda da confiança da população em sua capacidade de administrar a pandemia e uma consequente perda de apoio dentro do partido.

 

Durante toda a gestão anterior, Suga foi um fiel escudeiro do ex-primeiro-ministro, com forte atuação em prol da política de Abe e um poderoso articulador do governo. Na condição de chefe do país, no entanto, não mostrou o desempenho esperado.

 

As reações dentro do governo e entre parlamentares mostram que o premiê pegou os colegas de surpresa com a decisão. Taro Kono, que é um forte candidato ao cargo de primeiro-ministro e é o atual ministro da Reforma Administrativa e Vacinação, pareceu espantado e disse aos jornalistas japoneses que precisava confirmar o fato diretamente com o Suga.

 

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“Primeiro eu quero confirmar com o Suga e ver quais são as intenções dele”, declarou, desconversando ao ser questionado se pretende mesmo se candidatar.

 

O presidente do Conselho Geral do PLD admitiu, de acordo com o Jornal Asahi, que também foi surpreendido pela notícia.

 

“Como uma pessoa que apoiou o primeiro-ministro durante este ano todo, eu estou muito surpreso e sem palavras. Enquanto eu estiver em atuação, quero me concentrar na prevenção da pandemia e desejo que aqueles que estão atuando comigo permaneçam firmes”, frisou.

 

Esperança na próxima gestão

 

A troca do primeiro-ministro do Japão costuma causar expectativas e tensões na comunidade brasileira, devido às tantas possibilidades de influenciar a vida dos estrangeiros que vivem no país, de forma positiva ou negativa.

 

Desta vez, o baixo desempenho de Suga fez a notícia da saída soar como música aos ouvidos dos brasileiros, preocupados com um possível agravamento da crise financeira e de saúde caso o país siga nas condições atuais.

 

O influenciador digital Ricardo Pozzuto (43), conhecido pela página Caipira no Japão, que reúne 60 mil seguidores, acredita que Suga assumiu a chefia do governo japonês para tapar o buraco deixado pela renúncia de Abe há um ano.

Ricardo Pozzuto / Caipira no Japão – Foto: Cedida/Arquivo Pessoal

“Ele só completou o tempo do mandato do Abe e não apresentou nenhuma proposta realmente interessante ao país. Foi muito criticado pela população por ser lento nas decisões e não demonstrar pulso firme. A melhor decisão foi ele se retirar mesmo da disputa. Acredito que isto era algo já previsto”, opinou.

 

Para o brasileiro, que vive na região de Nagoia (Aichi), o próximo premiê deve alcançar um desempenho melhor na gestão da pandemia.

 

“Qualquer um que entrar no lugar do Suga vai dar prioridade ao combate ao coronavírus e à recuperação econômica. Isto inclui também a campanha de vacinação. Uma coisa depende da outra pelo que estamos acompanhando há algum tempo”, disse.

 

Em relação à um possível impacto para a comunidade brasileira, Ricardo acredita que não há muitos motivos para preocupação.

 

“Nenhum dos que estão se propondo a assumir o cargo tem uma política mais direcionada aos estrangeiros e questões internacionais ou de imigração. Eles devem focar nas duas questões essenciais do momento: pandemia e economia. Como o brasileiro precisa da economia para poder trabalhar, será beneficiado”, sugere.

 

Em Ota (Gunma), o brasileiro Claudio Hoshino (55) compartilha de uma opinião parecida com relação aos possíveis impactos da troca de chefe do governo japonês na realidade das comunidades estrangeiras.

 

“A preocupação principal do momento é a vacina e o avanço da pandemia. No caso da mudança do primeiro-ministro, só poderia afetar negativamente se tivesse um candidato com um posicionamento contra os estrangeiros”, declarou.

 

No entanto, é difícil acreditar em uma melhora de curto prazo para a situação atual do país. “Mesmo entrando um novo primeiro-ministro, não vejo muita perspectiva de melhora rápida. O novo terá que batalhar muito para recuperar a economia, pois o atual ministro fez do jeito dele e não deu certo. Se o próximo não fizer a coisa certa, o Japão vai acabar em uma crise mais profunda”, reforçou.

 

O “Caipira no Japão” também não acredita que o país terá uma recuperação econômica e melhora nos dados da pandemia tão cedo. “Este ano já está perdido. Acho que só no ano que vem podemos ter um sentimento mais voltado para a recuperação”, afirmou.

 

A brasileira Bianca Kimura (nome fictício), de 29 anos e estudante de doutorado em uma universidade na região de Kanto, também acompanha a atuação e as reviravoltas do governo japonês. Ela concorda que a desistência de Suga vem do empilhamento de problemas na condução da pandemia.

 

“Acredito que houve uma pressão por causa dos números da pandemia e a decepção da população japonesa, a realização das Olimpíadas e a lentidão na capacidade de vacinação. Desejo que a troca traga mudanças para melhor, mas não acredito que vai acontecer em um curto prazo”, ponderou.

 

Para Bianca, o momento atual também sugere instabilidade no governo japonês. “Acho que sempre dá para melhorar a gestão, mas a situação aponta uma certa instabilidade política, assim como foi nos anos anteriores ao Abe. Caso consigam desenrolar as vacinas mais rápido, as coisas tendem a melhorar. Se o próximo líder aprender com os erros do Suga, talvez haja mais chances”, sugeriu.