Caso de óbito de uma criança de 5 anos gerou revolta também na comunidade brasileira. Veja dicas para evitar esquecimento de crianças no carro e o que fazer em caso de hipertermia

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

 

O caso do menino Touma Kurakake, de 5 anos, que morreu depois de ser esquecido por 9 horas no ônibus de uma creche em Fukuoka, repercutiu na mídia japonesa e trouxe revolta para famílias no Japão.

 

Na comunidade brasileira, o caso também foi mencionado em grupos online. Internautas, muitas mães e pais de crianças pequenas que vivem no Japão, mostraram consternação e sofrimento com a dor da família que perdeu o menino por um descuido da diretora da creche.

 

O caso fez com que uma mensagem se destacasse nas redes sociais: a orientação de que os pais devem ensinar as crianças a buzinar em casos de emergência. A dica é simples e poderosa. Embora não funcione com um bebê, poderia ser suficiente para salvar a vida de uma criança como o menino Touma, que não foi socorrido a tempo.

 

Todos os anos, os casos de esquecimento de crianças e também de pets em carros são responsáveis por mortes durante o verão japonês, que costuma registrar temperaturas máximas que beiram os 40°C. 

 

De acordo com os dados da Federação Automobilística do Japão (JAF), durante o mês de agosto de 2020, 75 crianças e 23 animais de estimação foram esquecidos em automóveis. Em dois casos, foi preciso quebrar o vidro para resgatar a vítima.

 

Para a médica pós-graduada em medicina de emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, Pricilla Becker, é preciso ter cuidado para não pensar que este tipo de acidente só acontece com os pais negligentes.

 

Priscilla Becker, médica pós-graduada em medicina de emergência pelo Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo – Foto: @priscillabecker

“Precisamos ter consciência de que todos nós estamos suscetíveis a esquecer uma criança no carro. Isto acontece porque nosso cérebro possui uma memória de hábito e funciona no modo automático na maior parte do tempo. Por isso não precisamos pensar para dirigir pelo mesmo caminho todos os dias ou lembrar de trancar a porta do carro”, explicou.

 

Priscilla acredita que compromissos rotineiros podem gerar este tipo de esquecimento, por isto é importante que todo mundo se conscientize de que não está livre desta possibilidade.

 

“Quando algum imprevisto surge na rotina, acabamos esquecendo que a criança está no carro. Quando estamos cansados, estressados ou dormindo pouco, algo comum para pais de crianças pequenas, as chances de acontecer um lapso de memória como esse são ainda maiores”, alertou.

 

Ensinar as crianças a buzinar é uma forma de prevenir acidentes fatais em casos de esquecimento. Para a médica, os pais também podem tomar outras atitudes simples para evitar sair do carro com o filho preso no banco de trás.

 

“Deixe a bolsa, a carteira e as chaves de casa no chão do banco traseiro, perto da cadeirinha de transporte. Assim, sempre que precisar sair do carro, você terá que pegar esses itens e verá a criança”, aconselhou.

 

Ensinando os filhos a buzinar

 

Quem repassou a dica da buzina para outras famílias brasileiras foi Natalia Taniguchi, que tem 31 anos e mora em Fukui. Ela conta que viu o alerta em um portal japonês e decidiu compartilhar com outras mães, para que a informação possa evitar futuros acidentes.

 

Natalia Taniguchi e os filhos Noah (1), Kauê (3) e Théo (6) – Foto: Arquivo pessoal/Cedida

A brasileira conta que ficou emotiva quando leu sobre o assunto, comentou com o marido e eles decidiram conversar com os filhos, Théo de 6 anos e Kauê, de 3 anos. A conversa não foi fácil, já que as crianças aprendem que não devem tocar na buzina ou mexer nos botões do carro. No entanto, em caso de emergência, é preciso tomar essa atitude.

 

“Nós perguntamos ao Théo o que ele faria se fosse esquecido no carro. Ele falou que ia bater na porta, chutar ou quebrar o vidro com golpes de karatê. A gente explicou que o vidro é resistente e a porta não abre e então falamos sobre a buzina. Ele ficou bem surpreso, arregalou os olhos e perguntou se podia mesmo. A gente explicou que só quando for emergência”, disse para a Record Japan TV.

 

O mais velho compreendeu a mensagem, mas para o menino de 3 anos, foi mais difícil. “O Kauê não entendeu muito bem. Ele ficou todo contente achando que poderia apertar a buzina a partir de agora. A gente frisou que é só nesse tipo de situação, repetimos várias vezes, mas mesmo assim acho que ele não entendeu muito bem. No dia seguinte fomos ao carro e explicamos. Acho que tem que ir aos poucos e deixar claro que se acontecer eles podem recorrer ao ato de buzinar”, disse.

 

Natalia conta que ficou muito angustiada pelo caso do menino japonês e surpresa com a maneira de prevenir, que muitas vezes é simples, mas nem sempre passa pela cabeça dos adultos. “Se nós adultos não temos esse pensamento, imagina se uma criança irá atinar fazer isto no carro? É uma coisa tão simples que podia ter salvado a vida do menino e na hora a gente não pensa. É muito doloroso para nós imaginar o sofrimento dessa família”, lamentou.

 

Prevenção da hipertermia

 

A hipertermia é uma condição muito comum durante os dias de calor intenso do verão japonês. O aumento da temperatura corporal é responsável por levar muitas pessoas para a emergência dos hospitais e em alguns casos, resulta em mortes.

 

De acordo com os dados da Agência de Gestão de Incêndios e Desastres do Japão (FDMA), entre os dias 2 e 8 de agosto, 7.943 mil pessoas foram socorridas com sintomas de hipertermia em todo o arquipélago. O dado apresentou aumento de 2 mil casos com relação a semana anterior, do fim do mês de julho.

 

Mais da metade dos socorridos tinham mais de 65 anos de idade e 40% estavam em casa quando sofreram os sintomas do excesso de calor. Do total de pessoas que foram parar na emergência, 14 vieram a óbito.

 

A FDMA recomenda que a hipertermia seja prevenida com cuidados como usar o ar-condicionado em casa, evitando o abafamento do ambiente doméstico, além de beber água com frequência.

 

Para a médica Priscilla, é preciso ter mais atenção com as crianças pequenas, que podem se sentir mal com o calor e não relatar o problema. “Conseguimos identificar a situação quando sentimos que a criança está com o corpo quente por estar com muita roupa em um ambiente abafado, pouco ventilado ou exposto ao sol. No início, o quadro é chamado de ‘exaustão pelo calor’ e os sintomas são de fraqueza, mal-estar, náuseas, suor em excesso e tontura”, explicou.

 

Esses sintomas também são comuns aos adultos em um dia quente. No entanto, o quadro pode se agravar se não houver um resfriamento da temperatura corporal. “Se a temperatura continuar aumentando e passar dos 40°C, irá acontecer o que chamamos de ‘internação’, um quadro grave em que o corpo produz uma resposta inflamatória que causa um distúrbio do funcionamento de muitos órgãos e o comprometimento da função neurológica. A criança pode apresentar alucinação, convulsão, desmaio ou entrar em coma”, alerta.

 

Este quadro de saúde exige uma ação rápida, caso contrário, o risco de óbito se torna elevado. “O mecanismo da ação da hipertermia não é igual ao da febre e, por isso, os remédios para febre não funcionam. É preciso tirar a roupa da criança para que a pele fique exposta ao ambiente e ocorra a perda de calor. Molhar com água fria também ajuda a diminuir a temperatura rapidamente”, sugere.

 

O procedimento é ideal para fornecer um socorro rápido, mas de qualquer forma, é necessário encaminhar a criança para uma avaliação médica urgente e garantir assim uma assistência maior na recuperação.