Retorno gera sofrimento e saudades, mas garante melhores possibilidades de estudo e carreira profissional
Monique-e-emily 1 e 2
Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Monique e Emily, de 11 anos, que voltou ao Brasil sozinha em junho – Foto: Arquivo pessoal/Cedida
A vida não é fácil para muitas crianças brasileiras que caem de paraquedas no Japão. A cultura, o idioma e os costumes se tornam obstáculos no dia a dia e nem todo mundo consegue se adaptar e se inserir no contexto social.
Quando a criança não se adapta, é comum que surjam as dúvidas entre a escola japonesa e a brasileira. A primeira opção oferece mais possibilidades de futuro no Japão, enquanto a outra carrega uma promessa de familiaridade e anos escolares mais tranquilos.
E quando nenhuma das duas opções é boa para a criança? Depois de muitas discussões em família, há quem tome uma difícil decisão: mandar o pequeno de volta ao Brasil, enfrentar a distância e a saudade para que o filho tenha melhores oportunidades de estudo e possa construir uma carreira profissional.
Monique Moreira, de 28 anos, é uma mãe brasileira que vive em Higashiomi (Shiga). Ela tomou a difícil decisão este ano e em junho, enviou a filha Emily, de 11 anos, para morar com uma irmã em São Paulo.
Emily estava desde fevereiro de 2019 no Japão. A menina passou pela escola japonesa, mas não se adaptou. Depois a família tentou a escola brasileira, mas também não deu certo. “Na escola japonesa ela não tinha amigos, não entendia bem o idioma e não conseguia se comunicar. Ela sofreu bullying por ser diferente dos japoneses. Na escola brasileira tinham grupinhos formados que excluíam os recém-chegados. Algumas crianças eram mal-educadas e maldosas”, relatou para a Record TV Japan.
Monique conta que a filha estava feliz por alguns meses na escola brasileira, mas quando as coisas desandaram, a brasileira e o marido entenderam que o lugar de Emily não era no Japão. “De início, eu não quis aceitar e tentei de todas as formas fazer com que ela se sentisse em casa e feliz. Começamos a fazer terapia para aprendermos a lidar com a situação”, revela.
A menina está há poucos meses no Brasil e a separação da família tem sido um processo difícil, mas compensador do ponto de vista do bem-estar da criança. “Ainda é dolorido ver as coisas que ficaram no quarto dela. A rotina corrida ajuda a distrair a mente. Sempre que eu posso, mando mensagem e pergunto como ela está, se vai bem na escola. Tento focar na felicidade dela e em como ela está evoluindo no Brasil. Incentivo os estudos e reforço o quanto a amo”, desabafou.
Futuro promissor
Só o tempo para dizer se a decisão de mandar a criança de volta ao Brasil compensa de fato. Há pessoas que passaram por este processo no passado, se tornaram adultas e apesar das dificuldades provocadas pela distância, hoje possuem uma carreira que foi fruto da juventude no Brasil.
Vanessa Kiara Milian Rossi, de 33 anos, passou por este processo na adolescência. Ela veio ao Japão em 1995, aos 8 anos de idade e passou a morar em Ota (Gunma). O pai já estava no país há seis anos e a mãe há um ano. As expectativas de uma vida nova, no entanto, se transformaram em sofrimento.
“Fui para uma escola japonesa e não fiquei muito tempo. Eu estava na segunda série e as crianças perguntavam se no Brasil a gente comia com a mão. Sofri bullying por parte de um menino que me perseguia depois da escola, começou com ofensas e virou agressão física. Meu pai soube e falou diretamente com o garoto”, relembra.
A brasileira chegou a fazer amigos conterrâneos na escola, mas era a única estrangeira da sala. Além da dificuldade nos relacionamentos com os colegas, teve problemas mais básicos de adaptação, como as refeições. “Eu lembro que no começo levava sal escondida para colocar no arroz. Tinha pavor de tomar leite gelado na hora do almoço. As vezes passava o dia sem comer ou comia só o arroz”, contou.
Mesmo tendo aprendido japonês, Vanessa não se sentia parte da sociedade. Depois de três anos no Japão, a primeira escola brasileira foi inaugurada na cidade e ela quis estudar, mas enfrentou dificuldades com o português pelo afastamento da língua materna e com a matemática, já que o sistema de ensino na escola japonesa é diferente.
“Estudei até o 1° ano do ensino médio quando pedi para a minha mãe para voltar ao Brasil. Fomos eu, ela e o meu irmão que tinha 5 anos. Depois de muita conversa e promessas, ela me deixou ficar. Foi toda uma logística para organizar onde eu e meu irmão ficaríamos e como seria morar longe dela”.
De volta ao Brasil, Vanessa aproveitou bem a oportunidade de estudo. Terminou o ensino médio e voltou ao Japão por alguns meses antes do vestibular. Quando retornou ao Brasil, fez cursinho e passou em História na Unesp da cidade de Assis (SP), ganhou bolsa na universidade e se formou em 2011.
“No mesmo ano fui para os Estados Unidos em um programa de intercâmbio de estudo e trabalho. Depois voltei ao Brasil e iniciei o mestrado em História Social. Casei em 2015 e tive meu primeiro filho, o Francisco. Fomos ao Japão a passeio e meu marido se apaixonou pelo país”, revela.
O destino acabou trazendo Vanessa de volta ao Japão, por causa de uma bolsa do Ministério da Educação (MEXT) que o marido recebeu em 2019 e eles se mudaram para Tsukuba (Ibaraki). Felizmente, a experiência da brasileira na infância não se repetiu com o filho, que está no ensino primário da escola japonesa, domina o idioma e se adaptou.
“Hoje sou apaixonada pelo Japão. Eu e o meu marido estudamos sempre o sistema japonês e a cultura para as crianças se sentirem parte daqui. É uma nova história e um privilégio poder voltar atuando na minha área de formação”, afirmou.
Quando olha para trás, Vanessa não tem dúvidas de que ter voltado ao Brasil no momento certo permitiu que se tornasse a profissional que é hoje. “Eu não consigo nem pensar em como seria se tivesse ficado. Se não fosse possível voltar ao Brasil, a única forma de ter ido para a faculdade seria voltar para a escola japonesa e estudar muito, muito mesmo”, diz ela. “Daquela época, conheço uma única brasileira que foi para a faculdade aqui. Quem pôde escolher voltou ao Brasil para estudar. A maioria dos meus colegas que ficou no Japão foi para as fábricas”, contou.