Danos pequenos ou mesmo já existentes podem resultar em cobranças elevadas quando o morador decide entregar a chave do apartamento

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

 

Quem mora em residências alugadas no Japão pode acabar se deparando com a surpresa de uma conta alta no momento de entregar a chave. Muitas pessoas já passaram por essa experiência e nem sempre a cobrança é encarada como justa.

 

Em uma publicação recente em um grupo de brasileiros no Japão, Tamyris Othz Miamoto, de 26 anos e que mora em Nagoya (Aichi), desabafou sobre a cobrança de ¥360 mil que recebeu ao deixar o apartamento, apesar de só ter um dano em uma porta de guarda-roupa.

 

“Moramos por quase quatro anos e a única coisa que estragamos foi a porta, porque o meu cunhado desenhou um cachorro. Além dos ¥360 mil, nos cobraram ¥200 mil pelo estacionamento, sendo que desde o começo disseram que a gente podia estacionar sem custo. Tinham cláusulas no contrato que assinamos sem ler”, contou para a Record TV Japan.

 

Segundo ela, o contrato dizia que o morador teria que arcar com possíveis reformas e os ¥200 mil pagos como luva na entrada iriam para a imobiliária. “Como a gente não podia recorrer, eu disse que vamos pagar ¥10 mil por mês. A conta deu quase ¥600 mil e é essa a nossa condição”, contou.

 

A publicação reuniu uma série de histórias de brasileiros que passaram por situações parecidas e tiveram que arcar com despesas elevadas.

 

Valeria Nishiura, de 44 anos, vive com os filhos na província de Shizuoka. Ela contou para a reportagem que foi surpreendida ao entregar a chave do apartamento onde morou por quatro anos na cidade de Kikugawa.

 

“Eles me cobraram ¥120 mil de reforma por causa de um risco no chão, provocado pelo pé do sofá e uma marca de enferrujado na parede do quarto do meu filho, que tinha a cama de ferro. O risco era só encerar, mas eu não tive tempo”, contou.

 

Valeria está mais atenta com os detalhes agora – Foto: Arquivo pessoal

Ela contou ainda que havia um problema com o papel embaixo da janela, que acabou levantando por causa da umidade.

 

“Era só levantar aquela parte e colar de novo. Se tivesse que trocar um pedaço do papel era muito. E passar a cera não daria ¥20 mil. Mas não teve jeito, tive que pagar e não deixaram nem parcelar”, disse.

 

Por causa da experiência, a brasileira ficou mais atenta nos pequenos detalhes e recomenda que o inquilino resolva sozinho o que for possível antes de entregar a chave.

 

“Eu acho importante não deixar chegar neste ponto. O morador pode verificar cada canto e ver se ele não consegue arrumar por conta. As vezes é só passar uma cera ou uma canetinha de pintar madeira. Eu aprendi a lição e agora nunca mais vou deixar acontecer”, garantiu.

 

Os danos do antigo morador

 

Camila Seike, de 32 anos, também passou por uma experiência desagradável ao deixar o apartamento onde vivia com a família em Shiga.

 

O imóvel tinha pequenos danos provocados por acidentes e que resultaram em uma cobrança de ¥75 mil. Um dos problemas foi causado durante o processo de retirar os móveis para liberar o apartamento.

 

Camila não conseguiu o dinheiro de volta e acha que não foi justo – Foto: Arquivo pessoal

“Quando a gente foi tirar o sofá-cama, que era um dos últimos móveis, o meu irmão arrastou o pé do sofá na parede e acabou levantando o papel. Uma vez o meu filho tropeçou perto da escada e por isso também tinha um rasgo no papel”, explicou.

 

Na janela, havia uma cola de fita adesiva que acabou passando despercebida, mas foi apontada na hora da vistoria.

 

“Era só passar um sabão ou um removedor que sairia, mas eles me cobraram por isto também. Eu disse que eu mesma podia remover, mas não deixaram. Eu não pude mexer mais e tive que pagar a conta de uma vez só”, lamentou.

 

Camila se mudou para uma casa na mesma província e conta que, antes mesmo de carregar os móveis, registrou os danos junto com a imobiliária.

 

“A casa estava cheia de problemas. Tinha um risco grande e fundo na porta, várias paredes com cola-quente, janelas com danos, piso riscado e rodapé quebrado. Eu chamei a imobiliária e eles falaram para anotar tudo e filmar para não ter problema na saída”.

 

O registro dos danos ajudou. Um ano e meio depois, quando foi entregar a chave, a brasileira conseguiu reverter a cobrança pelos danos do morador anterior.

 

“O rapaz apontou cada um dos danos e eu deixei que ele falasse. Depois eu mostrei as filmagens e disse que a imobiliária tinha o registro. Ele disse que eu não precisaria pagar neste caso, que os ¥460 mil que paguei de luva na entrada seriam suficientes para os consertos. Eu fiquei indignada. Acabei sem receber nenhum reembolso”, relembrou.

 

Mesmo com as provas de que não tinha responsabilidade, a brasileira não conseguiu o dinheiro de volta. “Ele alegou que eu tinha morado lá e eles iam trocar os papeis de parede. Quando eu estava lá o papel era o mesmo, agora que eu ia sair tinham que trocar. Não foi justo, mas podia ter sido pior”, disse.

 

Conflitos e legislação

 

Até que ponto é obrigação do inquilino arcar com custos das reformas ao entregar a chave de um apartamento? Esta dúvida aparece com frequência em fóruns de discussão de internautas japoneses e as respostas parecem depender dos detalhes de cada caso. 

 

Por regra, o inquilino costuma pagar uma luva no fechamento do contrato, que deve ser utilizada na saída para reparar danos ou para trocar o papel de parede. Se não houver nenhum dano, o valor deve ser devolvido. Porém, há muitos casos em que o morador não recebe de volta.

 

Não são poucas as pessoas que acham as cobranças abusivas e injustas. Em alguns casos, o impasse com a empresa proprietária do imóvel é levado aos tribunais e as circunstâncias são analisadas para que não ocorram cobranças abusivas.

 

Um caso levado ao Tribunal de Tóquio em 2002 acabou com uma decisão judicial parelha para as duas partes. O juiz reconheceu que havia problemas no revestimento do piso e nas instalações, provocados pelo mal uso do morador. No entanto, os danos costumam aparecer com a passagem do tempo, o que obriga o proprietário a realizar reformas independente da presença de um inquilino.

 

Neste caso, havia um buraco na parede por responsabilidade do morador e era necessário trocar todo o papel. Como o papel havia sido colocado dois anos antes, o custo do morador ficou em 60%. A empresa também queria cobrar a troca do sistema de ventilação da cozinha por causa de manchas de queimado, mas o juiz ponderou: a empresa não avisou o inquilino para evitar o problema e como o sistema tinha 12 anos de instalação, o morador teve que arcar apenas com 10% do custo.

 

O Escritório de Advocacia V Best em Hiroshima explicou em sua página oficial que a cobrança de reformas é um dos principais conflitos relacionados ao aluguel de apartamentos e casas no Japão.

 

De fato, é comum que o morador seja cobrado por danos que excedam o valor da luva e que sejam de responsabilidade dele mesmo, mas não é raro que as empresas tentem empurrar a reforma de problemas que já existiam no imóvel antes da mudança.

 

Se o morador for vítima de cobranças abusivas ou tentativas de fraude relacionadas aos consertos no imóvel, é possível se consultar com o Centro de Apoio aos Consumidores (Shouhi Seikatsu Center).

 

A consulta pode ser realizada através do número “188”, que conecta o usuário com o Centro mais próximo da localização. O atendimento é gratuito e em japonês, mas a ligação está sujeita a cobrança de tarifas.