País asiático foi a última nação desenvolvida a aprovar as vacinas contra a covid-19; pesquisadora explica os aspectos que provocaram a lentidão

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

Faltam menos de dois meses para os Jogos Olímpicos, mas o ritmo da vacinação para prevenir a covid-19 no Japão ainda deixa a desejar. Dos 125 milhões de habitantes, apenas 10 milhões (8%) receberam pelo menos uma dose e o total de vacinados com as duas doses beira os 3 milhões (2,4%), segundo os dados da publicação digital “Our World in Data”.

 

O país foi a última nação desenvolvida a aprovar as vacinas estrangeiras. O processo começou timidamente em fevereiro com a vacina da Pfizer/BioNTech e focado nos profissionais de saúde. No mês passado, o governo iniciou a vacinação de idosos acima de 65 anos e tem administrado as doses através de um sistema de agendamento.

 

Há uma semana, os imunizantes da Moderna (EUA) e AstraZeneca (Reino Unido) foram finalmente aprovados e o governo japonês prometeu acelerar o processo. Em coletiva de imprensa realizada na sexta-feira (28), o ministro responsável pelo programa de vacinação no país, Taro Kono, disse que o Japão precisa “subir três montanhas” para cumprir o desafio de imunizar a população.

 

“Ainda não cumprimos a meta de vacinar 1 milhão de pessoas por dia, mas já subimos a primeira montanha garantindo doses suficientes. Agora precisamos garantir profissionais suficientes para vacinar e depois de completar a fase dos idosos, iniciar uma campanha para encorajar os jovens”, explicou.

 

O Ministério da Educação consultou as universidades do país para saber quais instituições estão dispostas a ceder o campus para ampliar a capacidade de administrar as doses. Cerca de 300 instituições confirmaram a colaboração. A medida deve alavancar o número de vacinados, mas o projeto só será executado a partir do mês de julho.

 

Agenda de vacinas

 

O Japão criou um sistema de agendamento para a realização das vacinas de acordo com a ordem prioritária, que começou com os profissionais de saúde e está atualmente nos idosos.

 

O sistema consiste no envio de um cupom e uma carta de aviso para a casa do residente que já pode se vacinar. Ao receber a correspondência, é necessário realizar o agendamento online ou por telefone e comparecer no dia, hora e local correto para receber a primeira dose.

 

De acordo com as informações oficiais do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar Social, o cidadão precisa tomar alguns cuidados antes de se vacinar. Quem estiver realizando algum tratamento de saúde deve consultar o médico. Quem estiver se sentindo mal ou doente, talvez não possa receber a dose no dia reservado.

 

No dia marcado, é preciso comparecer no local indicado com um documento de identificação e o cupom que foi enviado pelo correio. Depois de obter a primeira dose, é necessário realizar um novo agendamento, online ou por telefone, para receber a segunda dose no tempo correto.

 

A vacina da Pfizer que vem sendo administrada no país desde fevereiro, exige um intervalo de três semanas entre a primeira e a segunda dose. O intervalo é de até 6 semanas para a vacina da Moderna e três meses no caso da AstraZeneca.

 

Desafios

 

Em entrevista para a Record TV, a médica, jornalista, pesquisadora do Instituto Bernhard-Nocht de Medicina Tropical e professora na Escola de Pós-Graduação da Escola de Medicina da Universidade de Quioto, Riko Muranaka, explicou os fatores que causaram atraso na obtenção das vacinas, a demora na aprovação e os aspectos culturais e históricos que deixaram o Japão em desvantagem. Confira a entrevista completa:

 

Por que a vacina do coronavírus no Japão demorou tanto tempo em relação aos outros países?

 

Um dos principais motivos foi o fato de que o Japão não firmou um contrato real de vacinas até o fim do ano passado. No verão de 2020 o Japão reservou com a Pfizer a quantidade de vacinas que gostaria de obter, mas ainda era cedo e a reserva não foi paga. Outros países como Israel e a Europa tiveram mais iniciativa, garantindo e pagando pelas doses antes mesmo da vacina ser aprovada. Israel foi um grande exemplo, não se importou se haveria desperdício e correu atrás para garantir o máximo de vacinas possíveis.

No início deste ano o Japão descobriu que não tinha firmado um contrato real com a Pfizer. Um pouco do problema foi cultural, a forma como o Japão costuma lidar com negócios internacionais. Ficou apenas na conversa de “reserva que nós vamos querer sem falta” e não fez como deveria ter sido feito.

 

 

Por que não houve uma vacina produzida no Japão?

 

O Japão tem como tradição a produção de vacinas apenas por laboratórios semi-oficiais, que atuam com a autorização do governo. Há a ideia de que as vacinas são muito importantes por influenciarem a saúde da população e precisam ser produzidas nacionalmente e de acordo com os parâmetros já estabelecidos.

Quando começou a corrida pelas vacinas, o Japão já não tinha a mesma força de desenvolvimento para competir. Nos outros países, como nos Estados Unidos, a indústria de vacinas funciona de forma mais aberta. Se há uma start-up querendo desenvolver, o governo injeta dinheiro e investe. No Japão não funciona desta forma.

 

 

O Japão teve muitos problemas relacionados a vacinas no passado. Isto influenciou no processo atual?

 

Quando o Japão começou com as vacinas entre as décadas de 1960 e 1970, houve muitos problemas porque a qualidade era baixa. Surgiram instituições e associações de advogados denunciando os efeitos negativos das vacinas. O governo processou a empresa responsável pela produção. Perdeu-se muito tempo com tribunais e, entre os anos de 1980 e 1990, uma decisão judicial afirmou que o governo tinha responsabilidade pelos efeitos colaterais, uma vez que aprovou a vacinação.

No fim, a situação mudou de tal forma que a decisão por tomar ou não uma vacina ficou nas mãos do próprio cidadão e o governo passou a se preocupar com o contrário, os efeitos negativos caso as pessoas não queiram se vacinar. No momento atual, percebemos que ainda há uma postura negativa com relação as vacinas e somou-se a isto o fato de que não havia tantos casos de coronavírus em comparação ao cenário de outros países.

Enquanto as outras nações se mostraram dispostas a tudo para obter a vacina o mais rápido possível, o Japão ponderou. Se o país estivesse em uma situação semelhante ao Brasil, com muitos casos e descontrole, seria mais fácil ter tomado uma decisão rápida. Por causa dos casos baixos ficou difícil avaliar o benefício e o risco da vacina.

 

 

Como o Japão irá mudar a partir de agora?

 

Estamos em um cenário em que a vacina finalmente é suficiente, mas há muitos desafios. Um deles é fazer com que as doses cheguem rapidamente até a população. Há mais de 10 mil locais para vacinar no Japão e é preciso dividir as doses. Um sistema de agendamento foi implementado, mas tem suas falhas.

No caso da vacina da Pfizer, por exemplo, não é possível manter as doses por muito tempo depois de descongelar. Se cinco pessoas agendam, mas apenas duas aparecem, as outras três doses acabam no lixo. Outra questão é que o Japão terminou a fase dos profissionais de saúde e passou a vacinar idosos acima de 65 anos, o que é um grupo enorme de pessoas. Outros países. como a Alemanha, delimitaram de outra forma, primeiro acima de 80 anos, depois 70 e assim por diante.

Acredito que o Japão terá que resolver os desafios para a vacinação em massa e a pressão dos Jogos Olímpicos que se aproximam pode funcionar como um prazo para que o país avance na administração rápida das doses.