Movimento solidário uniu a comunidade de diversas regiões; muitos foram até as cidades mais afetadas para ajudar na remoção de entulhos ou levar doações

 

 

Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Foto: Alex Santos/Arquivo pessoal

 

Brasileiros de várias províncias se uniram para ajudar moradores afetados pelo tsunami

 

Nesta semana, o mundo lembrou os 10 anos do pior terremoto já registrado na história do Japão e que gerou um tsunami destruidor. Foram mais de 15,5 mil mortos e mais de 2.500 corpos ainda não foram encontrados. A tragédia foi agravada com a explosão de três reatores na usina nuclear de Fukushima, o que obrigou mais de 470 mil famílias a abandonar as casas, pois estavam na área atingida pela nuvem radioativa. Até agora, pouco mais de 40 mil ainda não conseguiram retornar para suas casas.

 

A comunidade brasileira teve um papel importante na reconstrução da região nordeste do Japão. Foram muitos voluntários e doações vindas de todas as partes do Japão. A embaixada brasileira no Japão publicou esta semana uma página especial com depoimentos de quem vivenciou de perto aquela tripla tragédia.

 

“Os depoimentos que membros da comunidade brasileira, empresários, jornalistas e funcionários das representações diplomáticas do Brasil no Japão oferecem são exemplos da capacidade de superação que demonstraram japoneses e brasileiros, mas também da surpreendente força do espírito altruísta que moveu essas pessoas, mesmo em uma situação tão extrema e arriscada quanto aquela”, diz o embaixador do Brasil no Japão, Eduardo Saboia.

 

Para o diplomata, a ação dos brasileiros foi uma mostra clara do sentido de irmandade que une Brasil e Japão. “Os vínculos humanos profundos entre nossos países são traduzidos aqui nos diversos sentimentos que os brasileiros evocam em seus depoimentos para explicar a vontade de ajudar a sociedade japonesa na crise: dedicação ao outro, gratidão, admiração”, lembra. A Record TV Japan divulgou na quinta-feira (11) a notícia deste trabalho da embaixada. Confira o resultado nesta página.

 

Mas fomos ouvir mais brasileiros sobre o que representa esses dez anos do Grande Terremoto do Leste do Japão. O que eles pensam? O que recordam daquele dia? Que lições aprenderam? Confira abaixo o depoimento deles.

 

 

“Fiquei chocado ao ver crianças órfãs”

Alex Santos, 45, fotógrafo, de Kani (Gifu)

 

 

“Foi um fato que marcou bastante para mim. A primeira coisa que pensei, como fotógrafo, foi ir para a região para fazer o registro. Nas primeiras semanas foi difícil e eu estava em Aichi, bem longe. Mas na primeira oportunidade, fui como voluntário com um grupo da minha região. Fui para ajudar e também fotografar. Coloquei minha máquina e equipamentos na mochila e fomos para a região. Já tinha se passado duas ou três semanas após o tsunami, rodamos algumas regiões por três dias. Levamos um caminhão com alimentos, e um ônibus com voluntários para ajudar.

Preparávamos comida nos abrigos e, nos intervalos, enquanto o pessoal ia dormir, eu aproveitava para fazer fotos pelas cidades. Foi uma experiência muito marcante. O clima era muito triste. Não imaginava que pudesse chegar naquele nível de destruição, apesar de ter visto as imagens pela tevê. Só estando lá para ter a real noção do que aconteceu. Nunca estive em guerra, mas parecia cenário de conflito, não havia casas de pé, só destruição e entulhos. Às vezes ficava andando por horas. Em Kesenuma (Miyagi), por exemplo, boa parte da cidade foi incendiada. Então, ainda sentia o cheiro de queimado, misturado com mar e peixe podre. Não era um cheiro bom. Mas o que mais me chocou foi ver as crianças órfãs. Passamos num abrigo que tinha várias delas brincando. Elas esperavam os pais. Ver aquelas crianças sozinhas foi muito triste. Vi também gente que tinha perdido tudo e não tinha onde morar, mas estava de carro novo, caro, e implorando por água. Levamos muitas caixas e eles recebiam como se estivessem ganhando ouro. Isso também me marcou muito.”

 

 

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“Com união, podemos ajudar muito mais gente”

Michie Afuso, presidente da NPO ABC Japan, de Yokohama (Kanagawa)

 

No momento do terremoto eu tinha acabado de almoçar num restaurante com minha filha. O que mais me marcou foram as imagens terríveis que vi nos noticiários. Era muito difícil de acreditar que tudo aquilo estava acontecendo. Quando ocorreu o terremoto de Kobe, a minha filha tinha acabado de nascer, era angustiante ver o desespero das mães com crianças no frio, sem moradia e comida. Ficava imaginando se os bebês tinham fraudas, se tinham água quente para fazer o leite, se não estavam passando frio… Foi aí que eu percebi que poderia ajudar. Em casa tinha fraudas e roupas que não serviam mais e vi no noticiário que o envio de doações para Kobe pelo correio era gratuito. Não pensei duas vezes. Coloquei tudo numa caixa e enviei, assim que tudo começou.

 

Nessa época (do terremoto de Kobe) passou muito na tevê que as pessoas tinham a boa intenção de enviar doações, mas muitas vezes as roupas não estavam apropriadas para uso imediato, como também não tinham voluntários o suficiente para fazer a triagem, então muita coisa ficava encostado. Doações de alimentos também ficavam muitas vezes estocadas por não ter a quantidade para dividir com as pessoas em igualdade. Por isso que muitas prefeituras não recebem doações de pessoas físicas em caso de desastres naturais. 

 

Então, no terremoto de 2011, sempre que iríamos levar doações para alguma cidade, checávamos antes no site da prefeitura o que estavam precisando e de que forma tinha que encaixar. Com isso aprendi que o sentimento de doar é muito importante, mas que é preciso ter muita cautela, para que a distribuição e o recebimento estejam em harmonia.

 

A maior lição aprendida foi que sozinho não é possível fazer muito, mas com a união e colaboração das pessoas, independente da nacionalidade, conseguimos realizar muitas campanhas solidárias, além de fazer muitas amizades.”

 

 

 

“Aprendi a controlar o medo e estar sempre preparada para uma tragédia”

Sueli Ichibassi, 52, de Oyama (Tochigi)

 

“Tenho 27 anos de Japão, passamos por vários terremotos, perdemos alguns amigos na tragédia de Kobe e cheguei a perder bens materiais, mas nunca um membro da família. Na época do terremoto, meu filho fazia faculdade de engenharia em Sendai, capital da província de Miyagi. Foi apavorante pensar que poderia tê-lo perdido. Alguns meses depois, estivemos na região. Muita coisa já tinha voltado ao ‘normal’, mas foi assustador ver com os próprios olhos o que a natureza foi capaz de fazer. O Japão tem muitos defeitos, mas o coletivo na hora da tragédia funciona. Não é 100%, mas funciona. Com a tragédia de 2011 aprendi que é bom estarmos sempre preparados com uma reserva de dinheiro. Não sabemos quando vamos precisar. E também aprendi a controlar o medo. Mas, por causa daquele terremoto, quando resolvi comprar a casa própria no Japão, escolhi um terreno sem prédios altos por perto, o mais afastado possível do mar e mandei instalar um poço artesiano!”

 

 

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Os dez anos do terremoto e tsunami: o que foi feito até agora?

 

 

“Ninguém está pronto para perder tudo, para perder sua vida ou das pessoas que ama”

Michele Dupont

 

14h46 de 11 de março de 2011. Eu paro nessa frase sem poder continuar a escrever.  Nesse dia eu estava trabalhando. Preparando os idosos para o banho. Enquanto trocava um curativo, de costas para a televisão, um idoso começou a ficar muito agitado e apontava para o aparelho. Rapidamente me virei e o que vi foi surreal. Uma onda gigante carregando carros que pareciam de papel. Precisei desligar a tevê para não criar pânico e corri chamar meus colegas para levar os idosos aos seus quartos. Naquele momento todos da casa de repouso pegaram seus telefones para saber de seus entes queridos.  Mas ficamos sem conseguir telefonar para ninguém. Não teve pânico. Teve pessoas tristes e cabisbaixas, algumas chorando, outras se movimentando para ir ajudar. Nós estrangeiros, sempre ouvimos que os japoneses estão ‘acostumados’ com desastres naturais. Se possível por favor, faça a gentileza de apagar essa informação. Ninguém está pronto para perder tudo, para perder sua vida ou das pessoas que ama. Apesar de todo treinamento que tínhamos se caso precisasse deslocar os pacientes para outro lugar, ninguém estava preparado. A região que morei ficava bem longe do epicentro, então não sentimos nada. Porém, essas fotos são de dois dias depois do tsunami. A praia estava cheia de coisas. Lembro que tinha uma mochila de uma criança pequena. Não tive coragem de fotografar. Ainda hoje, além do desastre ambiental a preocupação com a radiação de Fukushima está presente no dia a dia dos japoneses. Ninguém se recupera de algo assim. Meus sinceros sentimentos ao povo japonês e todos que perderam seus entes queridos nesse fatídico dia. Que nunca sejam esquecidos.”

 

 

 

“A vida segue, mas o caminho já não é o mesmo”

Adelaide Reis, 60, de Hamamatsu (Shizuoka)

 

“Há dez anos posso dizer que não vou me esquecer cada minuto. Estava bem perto do mar. Tinha voltado do Brasil havia três dias e, de repente, tive uma sensação de tontura. Mas não era uma tontura qualquer. Era um mal estar. Uma coisa estranha. Pedi para uma amiga ligar a tevê e foi quando ouvimos as sirenes. Apesar de estar longe, sentimos o tremor e pensei: se aqui tremeu, lá foi pior. Em poucos segundos você tem de agir, porque é tudo muito rápido. Depois eu tive muita vontade de ir para a região para ajudar como voluntária. Fui em 2013. Ainda tinha muita coisa por fazer. E ver as imagens pela tevê era uma coisa completamente diferente de quando vi de perto. O sentimento é muito forte. Uma sensação de impotência diante do poder da natureza. Ver aquelas pessoas fortes, mesmo depois de dois anos do acontecido, sofridas, remendadas, como se fosse uma colcha de retalho. Mas cada pedaço que juntaram, estavam fortalecidos. Algumas conversas eram de tristeza, outras de desabafo, uma dor que não tinha como passar. É muito difícil superar uma tragédia dessas. A vida segue, mas o caminho já não é o mesmo. E ver aquela força daquele povo me inspira até hoje a não ficar abatida quando me deparo com um obstáculo muito menor. Todas as vezes que fui, num total de 17 vezes, o mais marcante era que parecia ser sempre a primeira vez. Porque vontade de ajudar cada um sempre foi muito grande. Depois de dez anos, as marcas ficaram e ficarão. Será aquela tragédia que será sempre lembrada. Penso que se tivéssemos sabedoria, deveríamos aprender com essa dor a viver o agora, o hoje, com mais qualidade. Uma tragédia marca bastante, mas nos traz muita reflexão sobre o que podemos fazer pelo outro.”

 

 

 

“Se precaver é o melhor para não ser pego de surpresa”

Viviana Makiyama, de Ota (Gunma)

 

“Era o dia do aniversário de 8 anos da minha filha. Trabalhei de yakin (turno noturno) e, durante o dia, prometi a ela que comemoraríamos o aniversário! Fomos ao parque perto de casa, o tempo deu uma fechada como se fosse chover. Peguei as crianças e voltamos para casa. Poucos minutos após sair do parque, o carro tremeu muito. Vi placas de trânsito balançando. Naquele momento não entendi que era terremoto. Meu celular ainda não tinha alarme de aviso. Quando estabilizou, fui para casa. Tinha coisas caídas e recebi uma chamada de um amigo avisando para fazer estoque e abastecer o carro, porque as coisas seriam difíceis. Logo me avisaram que não teria trabalho por um tempo. Por ser mãe solteira de duas crianças na época, fiquei bastante preocupada financeiramente. Corri nos mercados, mas já quase não achava leite para meu filho pequeno. Comprei o que deu. A fila para abastecer gasolina já estava enorme! Tentei não desesperar e agir com cautela. Achei leite em pó no mercado brasileiro e foi isso que ajudou a alimentar meu filho na época. O temor dos abalos e o rodízio de água e luz foram constantes por duas semanas. Não havia como aquecer, sem luz. Às vezes, ficávamos debaixo da coberta assistindo às notícias pelo computador. Ou ia para casa de amigos em outra cidade. O que aprendi disso tudo é que devemos estar sempre prevenidos. Parece meio óbvio, mas a gente vai deixando pra depois e é aí que pode ocorrer uma infelicidade. Se precaver é a melhor opção para não ser pego de surpresa!”

 

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