Rafael Fuchigami se especializou na flauta japonesa e, no repertório, ele mistura canções típicas japonesas e brasileiras; evento na capital será no dia 4 de dezembro e a entrada é gratuita
Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Foto: Monges com chapéu-cesto na cabeça tocam shakuhachi: instrumento era usado na meditação / Divulgação/Arquivo pessoal
O som da shakuhachi, uma flauta feita de bambu, é muito marcante e relaxante. Por isso mesmo, foi usada por séculos pelos monges budistas como ferramenta para práticas de meditação. Chegou a ser usada até como arma por samurais derrotados na guerra, no período Edo, depois que tiveram suas espadas confiscadas. Ao longo do tempo, a flauta perdeu um pouco de espaço no Japão. Mas com o surgimento da internet e, mais recentemente, das redes sociais, o instrumento musical ganhou fãs pelo mundo e hoje seu som característico pode ser identificado em diversos estilos, como jazz, orquestra e até em aulas de ioga.
Um dos divulgadores da shakuhachi é o flautista brasileiro Rafael Hiroshi Fuchigami, 35, que se apresenta no próximo dia 4 de dezembro, no Centro de Informações Turísticas & Art Center “Shibuya-san”, na capital japonesa, a partir das 19h30. A entrada é gratuita, mas somente as 15 primeiras pessoas poderão entrar. O evento será transmitido ao vivo pelo perfil no Instagram do local.
Rafael prepara uma apresentação bem dinâmica, com músicas tradicionais japonesas para shakuhachi e também algumas canções brasileiras. Desde fevereiro passado, o flautista interrompeu as apresentações por causa da pandemia de coronavírus. Em setembro, o calendário de apresentações de artes em Tóquio começou a ser retomado, mas esta será a primeira vez que o brasileiro sobe aos palcos desde que os casos de Covid-19 começaram a aparecer no Japão. “Esse centro de artes é conhecido por ter um ambiente multicultural e, por isso, quero trazer algumas peças brasileiras, como choro e música popular brasileira”, detalha.
Especialista
Rafael é um especialista em flauta. Acabou de obter o título de doutorado pela Universidade de Música de Tóquio, onde trabalha atualmente como pesquisador no Instituto de Etnomusicologia. Antes, fez mestrado em música pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da UNICAMP, como bolsista da FAPESP. O tema de sua dissertação foi “Aspectos culturais e musicológicos do shakuhachi no Brasil”. Em 2013, Fuchigami atuou como solista na estreia mundial da obra “Musashi – Poema Sinfônico para Shakuhachi e Orquestra”, com a Orquestra Sinfônica da UNICAMP. No mesmo ano, estudou shakuhachi por 6 meses no Japão no The International Shakuhachi Kenshu-kan (KSK) e no Sugawara Hogaku Kenkyushitsu, com financiamento da FAPESP.
Rafael voltou ao Japão em 2015, desta vez como bolsista da Nippon Foundation por um período de 5 anos. A pesquisa de doutorado foi “A construção de japonesidades no processo de ensino/aprendizado do shakuhachi no Brasil”. “Estudei a questão cultural de quem aprende o shakuhachi no Brasil”, explica o brasileiro, que em 2018 foi aprovado na audição da Nihon Ongaku Shudan, a principal orquestra de instrumentos tradicionais do Japão, e se tornou membro oficial do grupo. Em 2019 recebeu ainda o título de shihan (professor) de Shakuhachi pelo KSK.
Rafael ainda realizou concerto de shakuhachi no Brasil, na Argentina e no Japão (Tóquio, Kagoshima, Kumamoto, Hokkaido, Hamamatsu, Mie, Nagano etc.). Em seu repertório constam peças antigas (Koten Honkyoku), música de câmara tradicional (Sokyoku e Jiuta), música moderna japonesa, música contemporânea japonesa, bem como música clássica, temas de filmes e animês e música brasileira. “Meu objetivo pessoal é a preservação da cultura tradicional dos antepassados e a difusão do shakuhachi para o maior número de pessoas”, resume Rafael.
A shakuhachi
O instrumento musical tem origem na China. Chegou ao Japão através da orquestra Gagaku – um tipo de música clássica japonesa que foi apresentada na Corte Imperial em Quioto por vários séculos –, sofrendo alterações até adquirir o formato de hoje. Segundo a pesquisa feita por Rafael, a shakuhachi foi perdendo espaço até chegar nas mãos dos monges, que tocavam a flauta em suas peregrinações para conseguir comida. Depois, ganhou o contexto de instrumento de meditação.
Como foi dito no começo deste texto, a flauta serviu também como arma para samurais derrotados em guerras no período Edo. Muitos deles se transformaram em bandidos e outros em monges da seita zen-budista Fuke. Chamados de “sacerdotes do vazio” (komuso), tinham como característica marcante um cesto de palha enorme que cobria toda a cabeça. Eles buscavam o chamado Ichion Jobutsu: prática de meditação em que se tocava o shakuhachi para experimentar a iluminação e tornar-se Buda através do sopro do instrumento.
A seita Fuke foi abolida na era Meiji (1868-1912), acusada de esconder espiões e bandidos sob o chapéu-cesto. Assim, a flauta deixa os monastérios e volta às origens, com caráter mais artístico. E assim se manteve por anos. “Foi nas décadas de 70 e 80 que a shakuhachi teve um boom mundial, com vários gênios ajudando a difundir a flauta”, conta Rafael.
No Brasil, a flauta era ensinada para os filhos e netos de imigrantes japoneses. Para aprender a tocar o instrumento, era preciso fazer parte de algum grupo ligado a escolas tradicionais da shakuhachi no Japão. “Na última década, começaram a surgir grupos e pessoas sem ascendência japonesa interessadas na flauta”, pontua Rafael. Com a internet, prossegue, já não era preciso fazer parte de grupos e a flauta começou a se popularizar novamente.
Concerto de shakuhachi solo
Data: 4 de dezembro
Horário: a partir das 19h30
Local: Centro de Informações Turísticas & Art Center “Shibuya-san”
Vagas: 15, por ordem de chegada
Entrada gratuita
Site: https://shibuyasan.jp/en/