Menina que sonhava em ser dançarina desenvolveu transtorno dissociativo por causa dos traumas causados pelas ofensas, ameaças e agressões físicas em uma escola japonesa

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

Uma menina brasileira de apenas 13 anos, que vive em Asahikawa (Hokkaido), está tendo que lidar com crises emocionais e remédios psiquiátricos. Ela sofreu bullying, agressões físicas e ameaças por mais de um ano em uma escola japonesa.

 

A. foi diagnosticada com transtorno dissociativo por causa dos traumas. Antes do pesadelo começar, era uma garota alegre, que estava no mundo da dança desde os 4 anos de idade. Suely Furuya, mãe da menina, contou que a filha pratica hiphop, ballet, jazz e tap dance desde pequena. Conforme foi crescendo, A. começou a sonhar em ser uma dançarina profissional.

 

“Ela passou a se achar feia, gorda, burra e preguiçosa por causa do bullying. Perdeu a vontade de viver e tentou suicídio três vezes. Mesmo assim, a escola fez vista grossa para o caso”, desabafou em entrevista para a Record Japan TV.

 

Os problemas começaram no sexto ano da escola primária. Quando entrou para o ginásio, a situação de A. piorou. As ofensas e agressões partiram de uma colega que costumava ser amiga.

 

“Começou com palavras e evoluiu para ameaças físicas. A menina puxava os cabelos, dava tapas e pisava no pé dela. Minha filha foi empurrada da escada mais de uma vez e ameaçada com uma lapiseira no pescoço. Ela devia ter respondido desde o início, mas não conseguia reagir”, contou.

 

Conforme os episódios foram se agravando, A. passou a sofrer um quadro intenso de estresse e problemas de saúde. Em setembro do ano passado, sofreu um desmaio enquanto voltava da escola e teve que ir para o hospital.

 

Em janeiro deste ano, A menina teve sintomas de vômito, diarreia e falta de apetite. Ela foi internada durante 10 dias no mês de fevereiro e recebeu um diagnóstico de síndrome do intestino irritável.

 

“A minha filha estava sofrendo um forte estresse que afetou o intestino, provocando o vômito. Mesmo depois de receber alta, não melhorou. Ela tentou ir para a escola terminar as provas, mas não conseguiu fazer todas as avaliações”, relatou Suely.

 

Desde então, a mãe tem enfrentado uma batalha pelo bem-estar da filha. Sem conseguir uma solução com os professores e a direção, acabou optando por trocar a menina de escola. No entanto, os efeitos psicológicos persistem por causa do transtorno dissociativo.

 

A. abraça a mãe antes de uma internação – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Mesmo com o afastamento da escola, A. continua sofrendo crises emocionais, tem flashbacks, perda de memória eventual e ameaça suicídio. A menina tem momentos em que apresenta sinais de melhora, recuperando o interesse pela dança. Depois, volta a ter crises e a sofrer com as lembranças ruins.

 

“Eu me sinto péssima como mãe por não ter percebido mais cedo que a minha filha estava em apuros. Meu objetivo agora é ficar perto dela, para que saiba que não está sozinha e volte a ser aquela menina carinhosa e alegre de antes”, diz Suely.

 

O psicólogo do Serviço de Assistência aos Brasileiros no Japão (SABJA), Irineu Jo, que atende através dos consulados de Hamamatsu (Shizuoka) e Tóquio, conta que em casos de bullying, o apoio familiar é fundamental para a recuperação da criança.

 

“É muito importante que os pais se aproximem, fortaleçam os laços e mostrem que a criança não está abandonada nesta situação. É necessário passar confiança, não forçá-la a ir para a escola se estiver abalada. Sem estes laços, há um distanciamento que agrava a questão psicológica e há casos que acabam em suicídio”, alerta.

 

O atendimento psicológico é um apoio importante que pode ajudar a criança a superar o bullying e a fortalecer a autoestima.

 

“Promovemos a escuta para aliviar as angústias. Tentamos identificar a causa do sofrimento e a partir disto começamos a trabalhar as formas de lidar com o caso. Fortalecemos a criança através da compreensão de que ela é um indivíduo único, mostrando a importância dela na escola e na sociedade”, explicou.

 

Problemas com a escola

 

Buscar uma solução junto com a escola é a primeira atitude que muitas famílias tomam quando os filhos estão sofrendo bullying. No entanto, há muitos casos em que as instituições não fornecem uma resposta rápida e a criança continua submetida a um ambiente escolar prejudicial sob a influência dos agressores.

 

No caso de A., a luta da família com a escola acabou piorando a situação. No início de março, a menina desabafou com um professor, contou que foi derrubada da escada e que estava sofrendo por causa da colega.

 

“Ela pediu ao professor que informasse a agressora de que não queria mais a amizade. Era tudo que ele tinha que ter feito para ajudar. Em vez disso, o professor perguntou para várias alunas sobre a amizade das duas e ouviu boatos de que a minha filha estava colando. Eu fiquei pasma”, revelou Suely.

 

Em uma crise que ela escreveu que queria morrer (“shinitai”) – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

O caso do bullying e a necessidade de se afastar da agressora foi convertido em uma acusação de colar na prova. “Fomos tirar satisfações no mesmo dia. Ele pediu para a gente esperar e foi conversar com o vice-diretor, que nos mandou embora. Nos telefonemas, eu percebia que estavam desviando o assunto. Toda esta confusão fez ela piorar”, lamentou.

 

 

Sem sucesso com a escola, a família também tentou conversar com a polícia, mas o caso não foi levado adiante.

 

Na mesma cidade, uma aluna de 14 anos, que estudava em outra escola, tirou a própria vida em fevereiro deste ano, quando a mãe saiu para fazer compras. O corpo foi encontrado no fim de março, depois que a neve derreteu. Suely conta que temeu pela filha quando soube desta notícia, pois a menina também sofreu bullying e teve os mesmos sintomas de A.

 

“Não quero que a minha filha acabe assim. Nós queremos primeiro que ela se recupere e depois justiça, para que o inferno que ela está passando não aconteça com outras crianças”, declarou.

 

Caso de superação

 

O bullying é uma constante na vida de muitas crianças nas escolas do Japão. No caso dos estrangeiros, a dificuldade de adaptação, diferenças culturais e incompreensão do idioma se tornam agravantes nos relacionamentos sociais.

 

Nayara Natsumi Kinjo, de 29 anos, estudou em escola brasileira até o segundo ano do primário, depois entrou na escola japonesa e ficou até o fim do colegial. Ela passou pelos problemas de adaptação e com o idioma, sofreu discriminação por ser estrangeira e enfrentou o bullying desde os primeiros anos da escola.

 

No ginásio, Nayara conta que viveu a fase mais difícil, depois que uma colega que era amiga começou com ofensas e agressões. “Ela vinha de uma família mais humilde, a mãe era sozinha e tinha muitos irmãos. Na época meu pai estava construindo uma casa e acho que ela ficou com ciúmes. A menina começou a me chamar de feia e nojenta, a tirar as outras crianças de perto de mim. Depois começou a me empurrar, jogar água em mim, foi muito difícil”, relembrou.

 

Nayara superou o bullying com a ajuda da família – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Nesta fase, Nayara se consultou com um psiquiatra e passou a tomar calmantes. “Minha mãe brigava na escola, mas não adiantava. Eu me jogava no chão e dizia que queria morrer. Colocava a culpa nos meus pais por estar no Japão, dizia que queria voltar para o Brasil. Foi um ano de muito sofrimento”.

 

As coisas só foram melhorar mais tarde, quando as aulas acabaram e elas foram colocadas em turmas diferentes. Nayara conseguiu superar os traumas da época escolar e se tornou assistente social com mestrado na área. Hoje ela atende crianças especiais que são estrangeiras.

 

No trabalho, a brasileira lida com muitos casos de dificuldade de adaptação e de bullying. “Senti que esta profissão era uma forma de retribuir. Vejo as crianças passando pelas mesmas dificuldades que eu passei e fico feliz em poder dar esse apoio”, comenta.

 

A experiência ajuda na hora de orientar, tanto as crianças como as famílias. “Eu consigo abrir mais a cabeça e ver por vários ângulos. Oriento melhor os pais sobre o que fazer, onde buscar ajuda para resolver o problema. Por ter passado pela mesma situação, posso entender a dor. Se a criança não quer ir para a escola, eu não digo para obrigar. Eu tento fazer uma orientação correta”, explica.