Esportistas e clubes na Europa criaram uma campanha que inclui boicote a redes sociais contra ofensas; no Japão, legisladores buscam meios legais de punir quem pratica o cyberbullying

 

 

Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

“Morra, você é nojenta. Desapareça. Quando você vai morrer?”. A pergunta do internauta raivoso foi respondida em maio do ano passado, quando Hana Kimura, de 22 anos, tirou a própria vida depois de ser perseguida nas redes sociais e receber ataques de ódio virtuais. A ex-lutadora profissional e estrela do reality show “Terrace House”, da Netflix, não suportou tanta pressão. Antes de sua morte, a jovem descreveu no Twitter o bullying online frequente que experimentou e mencionou a automutilação. Ela disse aos seguidores que não queria “ser mais humana”.

 

O caso teve tanta repercussão no Japão que fez com que o parlamento promulgasse, no final de abril, uma lei para estabelecer um procedimento judicial mais simples e ajudar as vítimas de cyberbullying a identificar indivíduos que fizeram postagens difamatórias online. Aprovado por unanimidade, o projeto quer alterar alguns pontos da lei atual sobre provedores de serviços de Internet, em resposta aos crescentes apelos para combater o abuso online. 

 

Assim, a partir do outono de 2022, as vítimas de cyberbullying poderão passar por apenas um processo judicial para identificar indivíduos que fazem postagens on-line odiosas, economizando tempo e custos relacionados a essas solicitações. Atualmente, as pessoas são obrigadas a passar por pelo menos dois processos judiciais: um contra operadores de mídia social e outro contra provedores de serviços de Internet para somente então obter informações sobre os assediadores. 

 

Um passo importante na discussão de um tema tão atual. Esta semana, o mundo do esporte começou uma campanha contra o cyberbullying, promovendo um boicote a redes sociais neste final de semana. O movimento começou com ligas de futebol da Inglaterra. A Uefa, entidade que governa o futebol europeu, anunciou apoio, assim como o rúgbi inglês e o ciclismo britânico.

 

 

O presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, disse que é preciso agir após um crescimento de ofensas e demonstrações de ódio virtuais direcionadas a jogadores de futebol e pessoas ligadas ao esporte. “Tem havido ofensas tanto no campo quanto nas redes sociais. Isto é inaceitável e precisa ser detido, com a ajuda do público, de autoridades legislativas e dos gigantes das redes sociais”, disse ele em um comunicado. “Permitir que uma cultura de ódio cresça com impunidade é perigoso, muito perigoso, não somente para o futebol, mas para a sociedade como um todo. Já aguentamos demais estes covardes que se escondem atrás do anonimato para expelir suas ideologias nocivas.”

 

A capitã da seleção feminina de rúgbi inglesa, Sarah Hunter, disse que, embora as redes sociais ajudem a aproximar os torcedores, ofensas, racismo e assédio virtuais não deveriam ser tolerados. A campanha também recebeu apoio da liga de rúgbi, da liga de críquete e da Associação de Tênis de Grama inglesas, assim como das emissoras BT Sport, Sky Sports e talkSPORT.

 

Liderados pelo heptacampeão mundial Lewis Hamilton, os três pilotos britânicos que correm atualmente na Fórmula 1 também se uniram às entidades esportivas. “Para me solidarizar com a comunidade do futebol, ficarei ausente de meus canais de redes sociais neste final de semana”, disse Hamilton, o único piloto negro da F1, no Instagram, onde tem 22 milhões de seguidores. “Não existe lugar em nossa sociedade para nenhum tipo de ofensa, online ou não, e durante tempo demais foi fácil para alguns poucos postarem ódio por trás de suas telas”, acrescentou.

 

Lando Norris, da McLaren, que sofreu ofensas na internet e tem 1 milhão de seguidores no Twitter, disse que também apoia o boicote. “Todos enfrentam ofensas aqui em algum momento, e as empresas de redes sociais precisam fazer mais para lidar com isso”, disse o piloto de 21 anos. George Russell, piloto de 23 anos da Williams, disse que é hora de mudar. “Existem ofensas demais na internet, ódio, negatividade, racismo, que ninguém merece. Achei que é nossa tarefa conscientizar o máximo possível, não só no esporte”, comentou.

 

Humilhação online

 

A prática de humilhar publicamente leva o nome de shaming (envergonhar, em português), uma subdivisão do já conhecido bullying. No livro “So You’ve Been Publicly Shamed” (Então Você foi Publicamente Humilhado, em tradução livre), o jornalista inglês Jon Ronson lembra que os ataques são feitos sempre à distância e de forma anônima, e que poucos têm a real consciência da dimensão dos danos causados. “O floco de neve nunca se sente responsável por causar a avalanche”, compara o escritor.

 

Érika Hassumi, 45, de Kusatsu (Shiga), concorda com Jon. “Os ataques virtuais quase sempre vêm a partir de perfis falsos e, geralmente, são de pessoas que te conhecem. Eles ofendem sua índole, família e trabalho, colocando em dúvida seu caráter real e fazendo outras pessoas te julgarem também”, conta. O motivo, opina a brasileira, é “a inveja e a maldade pura mesmo”. Para Érika, uma pessoa que inveja, mas tem o coração bom não perderia tempo fazendo ofensas a outros. “As pessoas praticam bullying, tanto real quanto virtual, apenas pelo fato de você ser uma pessoa que está sempre sorrindo, ainda que tenha problemas”, desabafa.

 

Érika Hassumi já foi vítima de ataques virtuais – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Carlos Tanaka, 43, de Kosai (Shizuoka), tem a mesma opinião de Érika. Ele também atribui o problema à inveja, à falta de empatia em entender o que acontece e, principalmente, ao fator que muitos se esquecem de evitar se expor em uma discussão. “Eu prefiro ligar para a pessoa e discutir diretamente o problema com ela. Quanto mais direto for para resolver a questão é melhor”, sugere o brasileiro. “A pessoa que faz isso quer criar uma defesa que gera outros problemas.”

 

O que fazer? “Devemos ter compaixão por essas pessoas, que precisam chegar a esse ponto de maldade para chamar a atenção de alguém”, ensina Érika, que confessa se incomodar e até sofrer com os ataques virtuais. “Apesar de eu sempre parecer forte e ignorar, eu choro, desenho e me afogo em trabalhos. A vida me ensinou que não devo me importar com o que os outros falam e pensam a meu respeito”, fala. “A única coisa que devo realmente me importar é com o que eu sei sobre mim e o que faço para ser melhor a cada dia”, completa ela. Érika deixa um recado para os agressores virtuais: “Amem-se mais! Só quem ama de verdade, não perde tempo fazendo maldades, ofendendo ou julgando outras pessoas”.

 

Carlos Tanaka sugere procurar resolver o problema fora das redes sociais – Foto: Marisa Umekawa/Divulgação

Para Carlos, conhecido nas redes sociais como Pandão, quem sofre esse tipo de ataque precisa manter o foco e o propósito de vida, sem dar ouvidos às palavras negativas. “Quem está calejando os dedos nas redes sociais não tem um propósito de vida. E pessoas inteligentes e educadas, com conhecimento, não vão dar ouvidos a fofocas”, avalia ele, que sugere manter a positividade acima de tudo. “Temos de focar em algo mais importante na vida e que nos faça evoluir e avançar”, lembra.

 

Diego Hara, 30, de Oyama (Tochigi), também foi vítima de um ataque virtual. No caso dele, o ódio veio de um grupo de nacionalistas japoneses. Pelo Twitter, o jovem se envolveu num debate sobre o recebimento da ajuda de 100 mil ienes que o governo japonês deu em 2020 a todos os moradores do país. O grupo em questão era contra o pagamento do benefício aos estrangeiros, crianças e aposentados, já que o dinheiro viria dos impostos cobrados. “Eu disse que os estrangeiros também pagam impostos e, por isso, tinham o direito de receber o dinheiro”, lembra o brasileiro. A partir daí foi uma enxurrada de mensagens ofensivas, a maioria dizendo que os estrangeiros deveriam ir embora. “São pessoas com pensamento arcaico”, resume.

 

Apesar de ter se chocado com tanto ódio, Diego defende o direito das pessoas se expressarem. “Acho que quem abre uma conta em uma rede social deve estar preparada para esses ataques. Muitas vezes é ofensivo e até doentio, mas não pode haver censura”, opina.

 

Diego defende o direito das pessoas se expressarem – Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

Com as mudanças na lei, pelo menos no Japão, talvez os perturbadores anônimos tenham mais cuidado antes de sair por aí julgando ou ofendendo as pessoas nas redes sociais. No caso da lutadora Hana Kimura que citamos no início da matéria, duas pessoas foram indiciadas no caso. Um deles foi multado em 9 mil ienes. Sim! Um valor irrisório diante da tragédia que se sucedeu. Ele não foi identificado publicamente, mas sabe-se que é morador de Osaka. O outro acusado postou várias vezes a palavra “morte” e “vulgar” ao se referir à jovem morta.

 

Japão e Coreia do Sul registram aumento de suicídios entre mulheres jovens, levantando novas questões sobre o estresse pandêmico. De acordo com dados do Ministério de Assuntos Internos e Comunicações do Japão, cerca de mil reclamações foram registradas sobre abuso online em 2010. Já em 2020, uma década depois, as queixas aumentaram cinco vezes mais. No entanto, especialistas dizem que o número pode ser muito maior, já que a maioria das vítimas não registra queixa na polícia.

 

Uma enquete informal feita pela internet mostra que a grande maioria dos que possuem uma conta em uma rede social já foram vítimas de alguma ofensa virtual. “Vixi, e como! Difamação total. Mas tenho que admitir que esse tipo de pessoa tem criatividade”, ri Carlos.