Conheça a trajetória desta ex-atleta que dedicou praticamente a vida toda ao esporte e que assume agora a responsabilidade de fazer a Olímpiada de Tóquio acontecer
Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Fotos: ©Tokyo 2020
A Olimpíada e Paralimpíada de Tóquio, marcada para começar no dia 23 de julho, ainda é uma incógnita. Depois de ser adiada, em março do ano passado, por causa da pandemia mundial de SARS-CoV-2, o evento mais importante do calendário esportivo sofreu para entrar nos trilhos novamente. Além de convencer os patrocinadores a injetar mais dinheiro e criar toda uma estrutura de combate ao coronavírus, pesquisas de opinião pública no Japão mostraram uma população descontente com a realização dos Jogos neste momento. Não bastasse todos os problemas, no começo deste mês, o chefe do comitê organizador, Yoshiro Mori, causou um alvoroço mundial por causa de comentários machistas, que foram considerados totalmente contrárias ao espírito olímpico.
Pressionado, no dia 12 deste mês, Mori, que já foi primeiro-ministro do Japão, deixou o cargo. “Meus comentários impróprios causaram muito problema. Peço desculpas”, disse, acrescentando que o mais importante é a Olimpíada de Tóquio ser um sucesso. E foi com esse espírito que a ex-ministra da Olimpíada, Seiko Hashimoto, de 56 anos, assumiu o comando do comitê. Em suas primeiras falas ela pediu à equipe que se unisse como um verdadeiro “time” para continuar os preparativos para o evento e, principalmente, retomar a confiança do público.
Tarefa bem complicada. Um dos levantamentos, feito pela agência de notícias Kyodo no começo deste ano, mostrou que cerca de 80% dos japoneses dizem que o evento todo deveria ser cancelado ou remarcado. O motivo seria a falta de clareza nas medidas de combate à disseminação do vírus que causa a Covid-19. Segundo a pesquisa, 68,3% estavam insatisfeitos com as medidas implementadas pelo governo, enquanto 24,9% disseram que o governo lidou com a pandemia de forma adequada. Outro estudo, desta vez feito pela Tokyo Shoko Research, mostrou que mais da metade das empresas japonesas acreditam que os Jogos devem ser cancelados ou adiados novamente, ressaltando as dúvidas sobre a viabilidade do principal evento esportivo.
“O comitê deve se reunir como uma equipe e trabalhar para ganhar a confiança do povo japonês”, disse Hashimoto em uma mensagem online. “Vamos trabalhar junto com Tóquio e o governo central para tomar medidas suficientes contra o coronavírus; é minha grande missão realizar os Jogos de Tóquio de forma confiável”, afirmou.
Apoio do G7
Apesar de todos os obstáculos, o evento começa a ganhar aliados. O primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, disse hoje (20) que os líderes do Grupo dos Sete (G7) deram apoio unânime à realização das Olimpíadas de Tóquio neste verão.
“Eu disse na reunião que quero realizar uma Olimpíada segura como testemunho de que os seres humanos terão vencido a batalha contra o coronavírus”, disse Suga a repórteres após a reunião de cúpula virtual do G-7. “Consegui obter o apoio de todos os líderes. Foi muito encorajador.”
Ex-atleta
A história pessoal de Hashimoto tem muitas ligações com os Jogos Olímpicos. Ela nasceu em Hokkaido, no norte do Japão, cinco dias depois da cerimônia de abertura da Olimpíada de Tóquio em 1964. O seu nome Seiko vem de “seika”, que quer dizer “chama” olímpica em japonês.
“Acho que durante toda a minha vida a Olimpíada fez parte de mim. Meu pai assistiu à cerimônia de abertura de Tóquio 1964 no Estádio Nacional. Lá ele sonhou que sua filha se tornaria uma atleta olímpica no futuro. A partir daí, os Jogos se tornaram a obra de minha vida”, disse Hashimoto, em uma entrevista publicada no site oficial dos Jogos.
A agora responsável pelo Comitê Organizador de Tóquio-2020 competiu nos Jogos Olímpicos de 1988 (Seul – Coreia do Sul), 1992 (Barcelona – Espanha) e 1996 (Atlanta – Estados Unidos), em ciclismo de pista, e nos Jogos de Inverno em 1984 (Sarajevo – Iugoslávia), 1988 (Calgary – Canadá), 1992 (Albertville – França) e 1994 (Lillehammer – Noruega), como patinadora de velocidade no gelo. Hashimoto ganhou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Inverno, em 1992, em Albertville, nos 1.500 metros de patinagem de velocidade no gelo.
“Como estabeleci a meta de competir nos Jogos Olímpicos, tive a sorte de participar de sete edições. Tive nefrite aguda quando estava na terceira série da escola primária e fui hospitalizada por dois meses. Durante meus anos de ensino médio, tive uma recorrência da doença e também da hepatite B. Acho que foi o objetivo de me tornar uma atleta olímpica que me ajudou a superar todas essas dificuldades”, conta a dirigente. “Todos nós enfrentamos vários problemas e acho que é uma bênção poder superá-los. Tenho vivido minha vida com gratidão pelas Olimpíadas e Paraolimpíadas. Eu gostaria de manter esse tipo de mentalidade no futuro”, contou.
O discurso de Mori
Para quem não acompanhou, o imbróglio iniciado por Yoshiro Mori aconteceu durante uma reunião do Comitê Organizador de Tóquio-2020 sobre a participação das mulheres em reuniões. O então chefe do comitê, de 83 anos, afirmou que “as mulheres têm dificuldade em ser concisas”. A pressão internacional o fez se retirar do cargo no dia 12 passado. Ele teria dito ainda: “As reuniões dos conselhos de administração com a presença de muitas mulheres demoram demasiado tempo. Se for aumentado o número de membros femininos e o tempo de intervenção não for limitado, será mais difícil concluí-las, o que é irritante”.
O ex-dirigente disse ainda que “as mulheres têm espírito competitivo” e “se uma levanta a mão (para poder intervir), as outras sentem-se na obrigação de também falarem”, fazendo com que “as reuniões demorem muito tempo a serem concluídas”. A polêmica gerada pelas declarações de Mori, que o próprio reconheceu “contrárias ao espírito olímpico” em um pedido de desculpas, levou à demissão de centenas de voluntários para os Jogos e causou profundo mal-estar entre os patrocinadores do evento. O Japão ocupa o 121.º lugar no mais recente relatório do Fórum Econômico Mundial sobre a igualdade de gênero, entre 153 países, e o 131.º na proporção de mulheres em lugares de topo em empresas, política e administração pública.
Hashimoto, que atuava como ministra para o empoderamento das mulheres desde 2019, prometeu melhorar a igualdade de gênero e aumentar as mulheres do comitê para 40%, ante cerca de 20% no momento. Atualmente, apenas sete dos 34 conselheiros do comitê são mulheres. Tamayo Marukawa foi escolhida para ocupar a lacuna deixada por Hashimoto no gabinete do governo.
Para a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, o Japão “finalmente chegou perto do padrão mundial”, já que três cargos importantes ligados a assuntos olímpicos – governadora da capital, presidente do comitê organizador e ministra das Olimpíadas – são ocupados por mulheres. (com agências)