Há muitas cepas circulando pelo mundo, mas os especialistas em saúde estão preocupados principalmente com o surgimento de três
Texto: Redação/Record TV Japan
Foto: Governo do Estado de SP/Divulgação
O ano mal começou, a vacina chegou a alguns países e quando muita gente achava que a luz no fim do túnel estava próxima, descobrem-se novas variantes da SARS-CoV-2, altamente infectantes. Sabe-se que, à medida que um vírus infecta as pessoas, ele pode sofrer mutações ao fazer cópias de si mesmo. Algumas mutações podem ser prejudiciais para um vírus, fazendo com que ele morra. Outros podem oferecer uma vantagem e ajudá-la a se espalhar.
“Nem todas as mutações são criadas iguais”, lembra Mary Petrone, que estuda doenças infecciosas na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “O vírus terá sorte de vez em quando”, explicou a pesquisadora para a AP. Essa alteração no vírus não é exclusividade da SARS-CoV-2 e o monitoramento de variantes é importante devido à possibilidade de tornarem vacinas e tratamentos menos eficazes ou alterar a forma como infectam as pessoas.
O mesmo acontece todo ano com o vírus H1N1, da influenza. Justamente por causa das mutações é preciso se vacinar a cada temporada, pois novas cepas exigem vacinas também diferentes.
Atualmente, três variantes estão sendo cuidadosamente observadas. A primeira foi descoberta no Reino Unido no final do ano passado e foi detectada em dezenas de países desde então. A princípio, autoridades de saúde afirmaram que ela não tinha riscos piores do que a versão anterior. Mas estudos mais aprofundados mostram o contrário.
Outras variantes detectadas pela primeira vez na África do Sul e no Brasil também estão sendo analisadas e parecem ser bem mais contagiosas, dizem os especialistas. A análise de 250 genomas de coronavírus de pacientes do Amazonas revelou que 18 linhagens diferentes do Sars-CoV-2 já circularam pelo Estado.
A nova cepa, que se desenvolveu no Brasil e ganhou o nome de P.1, foi identificada pela primeira vez no início deste ano no Japão em viajantes que desembarcaram vindos de Manaus.
Ao lado de novas linhagens encontradas no Reino Unido (B.1.1.7) e na África do Sul (501Y.V2), ela é uma das “variant of concern” (variantes que causam preocupação) acompanhadas pela comunidade científica internacional por ter acumulado uma série de mutações na proteína que permite a entrada do vírus na célula, a espícula.
Contudo, o importante é saber se as vacinas desenvolvidas até agora são capazes de proteger contra essas mutações também. Por enquanto, segundo os especialistas, parece que sim. “Mas caso novas cepas apareçam, existem maneiras de ajustar vacinas e tratamentos para manter sua eficácia”, lembrou o médico Anthony Fauci, o maior especialista em doenças infecciosas dos EUA.
O surgimento de variantes está relacionado a surtos contínuos, pois as infecções dão aos vírus a chance de sofrer mutação e se espalhar. É outra razão pela qual os especialistas enfatizam a importância do uso de máscaras e do distanciamento social.
Cadê a vacina?
Pela mídia e pelas redes sociais, a gente vê diversos países já em fase adiantada de vacinação da população. Mesmo assim, o ritmo é lento e poucos são os lugares que já oferecem o imunizante à população em geral. Por enquanto, idosos e profissionais da saúde estão sendo os primeiros a tomar a vacina. No Japão, segundo o governo, o processo deve ser iniciado no final de fevereiro para o primeiro grupo. Na sequência, vêm os idosos, mas somente em abril “na melhor das hipóteses”.
Numa coletiva de imprensa realizada nesta semana, perguntando sobre o cronograma de vacinação, o ministro da Reforma da Regulamentação do Japão, Taro Kono, responsável pelo programa de vacinação disse: “Digamos que as vacinações comecem em 1º de abril, depois continuarão por dois meses e três semanas e terminarão na terceira semana de junho.” Um repórter então questionou sobre quando começarão as imunizações para o público em geral. “Ainda não sei sobre isso”, respondeu.
O problema é alta demanda mundial do medicamento. Todos querem. E não é fácil produzir. “Não é como adicionar mais água à sopa”, disse a especialista em vacinas Maria Elena Bottazzi, do Baylor College of Medicine, à AP.
Os fabricantes de vacinas COVID-19 precisam de tudo para dar certo, pois aumentam a produção para centenas de milhões de doses – e qualquer pequeno soluço pode causar um atraso. Alguns de seus ingredientes nunca foram produzidos com o volume necessário.
Receita complicada
De acordo com uma reportagem da Associated Press, os vários tipos de vacinas contra a Covid-19 usados em diferentes países treinam o corpo para reconhecer o novo coronavírus, principalmente a proteína spike que o envolve – e que é responsável por fazer o vírus entrar nas células do corpo humano. Mas eles requerem diferentes tecnologias, matérias-primas, equipamentos e conhecimentos para isso.
As duas vacinas autorizadas até agora nos EUA, da Pfizer e da Moderna, são feitas colocando um pedaço de código genético chamado mRNA – as instruções para aquela proteína spike – dentro de uma bolinha de gordura.
Fazer pequenas quantidades de mRNA em um laboratório de pesquisa é fácil, mas “antes disso, ninguém fez um bilhão de doses ou 100 milhões ou mesmo um milhão de doses de mRNA”, disse à AP o pesquisador Drew Weissman, da Universidade da Pensilvânia, que ajudou a criar a tecnologia de mRNA .
Aumentar a escala não significa apenas multiplicar os ingredientes para caber em um tanque maior. A criação de mRNA envolve uma reação química entre blocos de construção genéticos e enzimas, e Weissman disse que as enzimas não funcionam tão eficientemente em volumes maiores.
A vacina da AstraZeneca, já usada na Grã-Bretanha e em vários outros países, e a da Johnson & Johnson, são feitas com um vírus do resfriado que penetra o gene da proteína spike no corpo. É uma forma muito diferente de fabricação: células vivas em biorreatores gigantes cultivam aquele vírus do resfriado, que é extraído e purificado.
Já os imunizantes fabricados pela Sinovac, da China, exigem ainda mais etapas e biossegurança mais rígida porque são feitos com coronavírus morto.
Uma coisa que todas as vacinas têm em comum: elas devem ser feitas sob regras rígidas que requerem instalações especialmente inspecionadas e testes frequentes de cada etapa, uma necessidade demorada para se ter certeza da qualidade de cada lote.
Vacinados e com máscara
De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, a chamada imunização de rebanho só deverá ser alcançada se o mínimo de 60% da população estiver vacinada. Mas ele destaca que, mesmo que o programa de vacinação seja sólido e seja possível vacinar parte da população, o vírus ainda estará em circulação. E faz um alerta: mesmo os vacinados devem continuar adotando isolamento social, álcool em gel e máscara.
“Nenhuma vacina é 100% eficaz. Com a vacina, a pessoa tem uma chance muito grande de se proteger das formas moderadas e graves, mas não elimina a possibilidade de contrair a doença. Estando com a doença, ela vai transmitir para outros. Não dá para correr esse risco”.
Existe ainda o componente social dessa medida. Se todas as pessoas vacinadas pararem de usar máscara, isso pode, na visão de Cunha, desmobilizar a população como um todo para o uso dessa barreira contra a Covid-19. Veremos mais pessoas sem máscara, estimuladas pelos vacinados. “E como as pessoas vão saber se aquela pessoa já foi vacinada?”, questiona.
Além disso, mesmo que parte da população do país se vacine ainda este ano, existirão “bolsões de vulneráveis”. Esse conceito pode ser reproduzido em escala mundial. Afinal, em um cenário onde ainda há pouca vacina disponível, os países que saem na frente são os que têm mais dinheiro para comprá-las mas, em algum momento, os demais entrarão na partilha.
“Para termos uma proteção coletiva, precisamos ter ótimas coberturas vacinais em todos os países. Isso vai levar um tempo porque os países mais pobres terão que receber muitas vacinas no momento em que elas começarem a ser distribuídas para eles. Essas vacinas vão demorar ainda mais, provavelmente começam a ser distribuídas no segundo semestre”, analisou o presidente da SBIm.