Conhecido como “jogo de sobrevivência” no Japão, é uma disputa em que os participantes tentam eliminar os oponentes; brasileiros contam suas experiências

 

 

Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Foto: Evento Beneficente de Airsoft em Nagano realizado em novembro passadoArquivo pessoal/Cedidas

 

 

Imagine estar numa guerra. O inimigo, camuflado, espera o momento certo para dar um tiro fatal. O coração palpita rápido. É preciso controlar os nervos, seguir adiante. Há uma missão a ser cumprida e você precisa ajudar seus companheiros. O cenário pode variar. Às vezes é um campo, cheio de arbustos, paredes quebradas e, ocasionalmente, veículos tombados e queimados. Outras, um galpão, com paredes criando um labirinto de corredores. E ainda pode ser uma floresta, cheia de árvores, pedras e mato. O airsoft, conhecido como “jogo de sobrevivência” em japonês, é uma disputa em que os participantes tentam eliminar os oponentes. Para isso, usam armas de pressão para disparar esferas de plástico, conhecidas como bbs, de 6 mm de diâmetro.

 

O jogo tem origem no Japão, na década de 1970. Começou a ganhar rapidamente mais adeptos no mundo todo na última década. As regras variam dependendo do lugar, assim como o objetivo – tem jogo com missões, como desarmar bombas, pegar senha, tomar bandeiras, mas o mais popular é o mata-mata, ou seja, ganha o time que matar o outro primeiro. De forma geral, o airsoft envolve duas equipes que começam em lados opostos do campo de batalha. 

 

Diferente do paintball, que deixa marcas visíveis nos que foram atingidos, o airsoft depende exclusivamente da honestidade do jogador. A pessoa atingida tem de admitir que recebeu um tiro e deixar o campo voluntariamente. Quem tenta enganar – os chamados “zumbis” – vão sendo deixados de lado pelo grupo, que preza acima de tudo a honra e o espírito esportivo. 

 

“Além de melhorar a resistência física, o airsoft reúne pessoas de todas as idades, desde crianças até idosos e pessoas com alguma deficiência física”, conta Renato Ussui, 48, de Komagane (Nagano). “O jogo ajuda a desenvolver, através da diversão, a disciplina, o foco, a união e o respeito”, completa o brasileiro, que mora no Japão há mais de 25 anos. 

 

Muito conhecido entre os praticantes de airsoft, Renato é um dos organizadores do Evento Beneficente de Airsoft em Nagano (EBAN). O último, realizado no começo de novembro do ano passado, reuniu cerca de 90 pessoas de diversas partes do Japão. “Sempre procuramos ajudar alguém da comunidade, principalmente quem tem uma doença grave, pois sabemos que a família passa por necessidade financeira; desta vez ajudamos três crianças doentes”, explica. No ano anterior, o evento reuniu mais de 120 pessoas. “Tem time que vem de longe e todos colaboram; o brasileiro é muito solidário”, diz, ao ressaltar que eles não apenas doam dinheiro e alimentos, mas fazem também um acompanhamento. “Damos apoio moral e psicológico, pois às vezes a pessoa quer apenas conversar”, completa.

 

Luiz Henrique Harada Garcia, 35, de Seto (Aichi), é outro praticante do airsoft que não mede esforços para ajudar na organização do EBAN. “Faço os cartazes e isso me ocupa o tempo de folga”, conta o brasileiro. Justamente por isso, a esposa cobrava mais tempo para a família. “Mas ao ver que eu estava feliz por ajudar quem precisa, ela passou a me apoiar”, diz ele, que confessa ter chorado ao ver o resultado do último evento. “Ajudo principalmente porque quero agradecer de alguma forma pelo ano que passou, pela saúde, pelo trabalho e pela família”, justifica.

 

 

Proteção

 

Amante do esporte-jogo, Renato se empolga quando fala do airsoft. “Todo mundo joga de igual para igual. Por isso, tem de ser honesto. Levou um tiro no corpo, levanta a mão, diz que foi atingido e sai do jogo”, reforça o brasileiro. Além disso, é necessário levantar os braços e colocar um pano vermelho (ou de outra cor denominada pelos líderes) na cabeça. O brasileiro tem um grupo de cerca de 30 praticantes em Nagano que se reúne duas vezes por mês.

 

Todos os grupos e campos de airsoft exigem que os jogadores usem óculos de proteção. Para jogar, é preciso ter armas e munição e um equipamento básico, mas não obrigatório, que inclui luvas, uniformes militares, botas e joelheiras. Tudo pode ser normalmente alugado. Mas muitos entusiastas gastam grandes somas comprando seus próprios equipamentos. “Com 10 ou 15 mil ienes é possível comprar um kit básico. Mas o airsoft é como a pesca: você pode usar uma vara de bambu, mas pode investir muito mais em equipamentos”, compara Luiz Henrique.

 

As armas usadas no airsoft parecem reais, então muitas pessoas querem completar o visual do soldado com o resto de seu equipamento. “Quem está começando pode emprestar ou alugar todo o material e, somente depois, caso goste da atividade, poderá investir”, sugere Renato.

 

 

Vídeos

 

Raul Cavalheiro, 38, de Ota (Gunma), pratica o jogo-esporte há 12 anos. “Conheci o airsoft através de colegas de fábrica que jogavam; comecei a brincar e acabei investindo bastante”, confessa o brasileiro, que publica vídeos dos combates no canal RC Airsoft no Youtube. Raul diz que a adrenalina é que o faz retornar toda semana aos campos. “A gente acaba se exercitando bastante, pois nos movimentamos muito. É divertido e parece que estamos numa guerra de verdade”, descreve o gaúcho de Pelotas (RS), que mora há 20 anos no Japão. 

 

Atualmente, o brasileiro não faz parte de nenhum grupo ou time. Ele frequenta os diversos campos espalhados pelo Japão. Nestes lugares, as pessoas que chegam são divididas em equipes e participam do jogo. No entanto, a maioria dos brasileiros possui uma equipe, com nomes que lembram jogos de videogame. O venezuelano Katsue Fujita, 44, de Kosai (Shizuoka), lidera o Origem Airsoft Team. São 26 membros que se reúnem a cada duas semanas para jogar o airsoft durante praticamente o dia todo. “Nosso grupo é bem eclético: tem filipino, japonês, argentino, mas a grande maioria é brasileiro”, conta.

 

Katsue, que está no Japão há dez anos, começou praticando o paintball ainda na Venezuela. Depois, nos Estados Unidos, conheceu o airsoft, mas foi investir no passatempo somente quando veio ao Japão. “Com o tempo você quer melhorar o nível e, para isso, acaba investindo em equipamentos”, explica o praticante, que tem um quarto lotado de peças, armas, acessórios e objetos voltados para o airsoft.

 

Luiz Henrique conheceu o airsoft há “apenas” três anos, mas já acumula muitos apetrechos. Entusiasta de artes marciais, dos jogos de videogame com temática de combates e de armas de fogo, o brasileiro de Jundiaí (SP) diz que a jogabilidade é o que mais chama a atenção no airsoft. “Eu busco a tecnologia e o conhecimento”, explica ele, que ganha a vida como caminhoneiro no Japão. “Uso equipamentos eletrônicos e, como se fosse um clique em um mouse, consigo fazer tudo com meu armamento”, detalha.

 

Apesar de ser um passatempo, o que mais chama a atenção no airsoft é o companheirismo. Todos os entrevistados citaram a palavra “amizade” para descrever o jogo-esporte. “Criamos uma conexão muito forte”, diz Renato. “O que me fascinou no airsoft é que foi onde senti menos competição e mais amizade real. Virou uma família de verdade”, completa Luiz Henrique. “Através do esporte, criamos uma corrente de solidariedade e conseguimos até ajudar outras pessoas”, reforça Katsue.

 

Mas não se engane. Amigos fora de campo. Inimigos em combate. E ai de quem levar um tiro e fingir que não foi atingido. “O primordial é a honestidade”, decreta Renato.