Governo chinês permanece em silêncio enquanto primeiro-ministro Yoshihide Suga costura alianças importantes na Ásia

 

Texto: Ewerthon Tobace/Record TV Japan
Foto da capa: Primeiro-ministro japonês durante encontro com líder do Vietnã, Nguyen Xuan Phuc / 
Divulgação ©Gabinete do primeiro-ministro do Japão

 

Recentemente, a notícia de que o presidente chinês Xi Jinping pediu ao exército chinês prontidão para uma possível guerra deixou muita gente preocupada. Depois, em 6 de outubro, os ministros das Relações Exteriores do Japão, Estados Unidos, Austrália e Índia chegaram a um acordo para expandir o alcance coberto por uma estrutura indo-pacífica livre e aberta, criando mais tensão na região.

 

Na ocasião, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, visitou cinco países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), uma organização intergovernamental regional que compreende dez países do sudeste asiático, antes da viagem do primeiro-ministro japonês Yoshihide Suga ao Vietnã e Indonésia, e disse, na Malásia, em 13 de outubro: “Os Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália estão planejando criar uma versão indo-pacífica da OTAN.” Ele pediu aos membros da ASEAN que se distanciassem do conceito livre e aberto do Indo-Pacífico porque “isso prejudicaria a estrutura para a cooperação regional”.

 

Só para citar, temos ainda a questão de Hong Kong e de Taiwan, que contam com o apoio dos Estados Unidos para se libertarem do comando chinês; a tensão militar na fronteira da região norte da Índia; a disputada com Japão pelas ilhas Senkaku, e a própria guerra comercial com os norte-americanos.

 

Mas, afinal, como esse imbróglio todo envolvendo China e outros países, em especial os Estados Unidos e até o Japão, chegou a este ponto? E qual a chance real de uma guerra bélica na Ásia? 

 

Domínio chinês

 

Presidente chinês Xi Jinping vistoria navio de guerra; relatório do Pentágono mostra que China tem hoje maior marinha do mundo / Divulgação ©Xinhua

Para entender a questão, temos de analisar a expansão chinesa no mundo. Em 2019, a economia da China cresceu no ritmo mais baixo em 29 anos, afetada pelos impactos da guerra comercial com os Estados Unidos. Apesar da desaceleração, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu a uma taxa expressiva de 6,1% no ano passado, segundo dados da Agência Nacional de Estatísticas. Ou seja, foi um ano ótimo para os chineses.

 

Veio então a pandemia de Covid-19. Mesmo assim, o país asiático registrou forte crescimento no comércio este ano, enquanto outras grandes economias ainda lutam com o impacto do novo coronavírus. As exportações chinesas em setembro aumentaram 9,9%, em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo dados oficiais — foi o quarto mês seguido de alta. Já as importações cresceram 13,2%, após uma queda de 2,1% em agosto.

 

A segunda maior economia do mundo incomoda, pela forma que os chineses impuseram a nova ordem comercial no planeta. No discurso de Ano Novo, em fevereiro passado, o presidente chinês Xi Jinping declarou que 2020 seria “um marco”. Ele estava certo, mas não da maneira que ele esperava. 

 

O líder chinês afirmou ter “amigos em todos os cantos do mundo”, mas o fato é que a pandemia de coronavírus danificou seriamente a reputação da China ao enlouquecer os parceiros comerciais, que perceberam estar muito dependentes dos produtos chineses e de uma cadeia de abastecimento frágil. Agora, sem ter outra saída, os chineses passaram a considerar outra arma real de poder deles: a força bruta. 

 

Divisor de águas

 

O ano de 2020 definitivamente ficará marcado, com destaque, nos livros de história. E, inevitavelmente, o vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19, será relacionado com a China. O jogo virou para o país quando se descobriu que o Partido Comunista escondeu informações cruciais do mundo sobre a nova doença, que foi detectado pela primeira vez em Wuhan – uma descoberta confirmada por um recente relatório de inteligência dos EUA. 

 

Para piorar as coisas, Xi Jinping tentou capitalizar a pandemia. Primeiro, bloqueou a venda de produtos médicos, um mercado que a China domina. Depois, quis expandir de forma agressiva seu mercado, principalmente na região Indo-Pacífico. Mas o tiro saiu pela culatra e, descontentes, os países começaram a boicotar a China e promover uma mudança geopolítica regional.

 

Como foi dito no começo do texto, uma destas manobras foi feita aqui no Japão. O país sediou um encontro com Austrália, Índia e Estados Unidos, que resultou no chamado Quad, um acordo de cooperação estratégica. Japão então aproveitou o momento para buscar apoio em outros países asiáticos. Em sua primeira viagem ao exterior, o primeiro-ministro Yoshihide Suga se encontrou nesta semana com os líderes do Vietnã e da Indonésia e, em seus discursos, não mencionou a China quando pressionou por uma região Indo-Pacífico livre e aberta.

 

Era esperado que Suga enfatizasse as conversas com China, para aliviar assim o atrito constante entre os dois países. Mas não foi o que aconteceu. O líder japonês mostrou claramente que ele pretende continuar o objetivo Indo-Pacífico livre e aberto de seu antecessor, Shinzo Abe, apesar das objeções de Pequim.

 

A agência estatal chinesa de notícias Xinhua transmitiu um relatório em 18 de outubro que descreveu o objetivo Indo-Pacífico como “uma estratégia para caminhar em sintonia com os Estados Unidos e aprofundar o confronto na região”.

 

Essa aliança tem um significado especial para a Índia, que por anos tentou negociar paz na fronteira com a China. Como observou recentemente o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert O’Brien, “os chineses têm sido muito agressivos com a Índia”. Desde o final de abril passado, o Exército de Libertação do Povo ocupou várias áreas na região de Ladakh, no norte da Índia. A ação chinesa elevou a temperatura de um conflito de fronteira. Isso deixou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, com pouca escolha a não ser mudar a tática.

 

Segundo reportagem publicada pelo site Nikkei Asia, Modi considera convidar a Austrália para participar do exercício naval anual do Malabar, um demonstração em conjunto com as forças japonesas, americanas e indianas. A Austrália tinha se retirado do exercício em 2008, quando envolvia apenas os EUA e a Índia. Embora a participação do Japão tenha sido regularizada em 2015, a Índia hesitou em trazer a Austrália de volta por medo de provocar a China. Não mais. Com a Austrália novamente envolvida em Malabar, o agrupamento Quad terá uma plataforma formal e prática para exercícios navais.

 

Assim, as democracias do Indo-Pacífico estão forjando laços estratégicos mais estreitos em resposta à crescente agressão da China. Analistas políticos dizem que o próximo passo lógico seria um tratado mais amplo e coordenado de segurança regional. O grande problema é que os interesses de segurança dos norte-americanos, dos australianos, dos indianos e dos japoneses não são inteiramente congruentes.

 

Para a Índia e o Japão, por exemplo, a ameaça à segurança que a China representa é muito mais aguda e imediata, como mostrado pela invasão no norte da Índia e das incursões de navios militares chineses cada vez mais frequentes em águas japonesas.

 

Futuro

 

No encontro com o presidente Joko Widodo, da Indonésia, Suga falou da importância do ASEAN / Divulgação ©Gabinete do primeiro-ministro do Japão

Apesar de todo o problema, Pequim tentará manter laços estáveis ​​com o Japão e, provavelmente, se esforçará para obter uma melhor compreensão diplomática com os vizinhos. Porém, se o primeiro-ministro japonês insistir na cooperação econômica livre e aberta na região Indo-Pacífico, Tóquio inevitavelmente se envolverá no confronto entre Washington e Pequim.

 

Suga prega a paz na região. “Ter o Japão e a ASEAN intensificando a cooperação mútua não só levará à prosperidade econômica na região, mas também servirá como a base para um Indo-Pacífico livre e aberto”, disse.

 

Como num jogo de xadrez, as peças começaram a se mover na Ásia. O que acontecerá daqui para frente ainda é uma incógnita. Mas, o conhecido artista e dissidente chinês Ai Weiwei – ele quem projetou o famoso estádio dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, popularmente conhecido como “O ninho do pássaro” e hoje vive na Inglaterra como asilado político – talvez tenha a resposta para a maioria dos atuais questionamentos. Numa entrevista à BBC News, ele disse que a influência da China se tornou tão grande que não pode mais ser parada. “O Ocidente deveria ter se importado com a China décadas atrás”, diz ele. “Agora é um pouco tarde porque o Ocidente construiu seu sólido sistema a partir da China e interrompê-lo o prejudicaria profundamente. É por isso que a China é tão arrogante.”