Sexta edição do Eban foi realizada pela primeira vez fora da província de Nagano; arrecadação de 476 mil ienes ajudará quatro famílias com dificuldades e um orfanato japonês

 

 

Texto e fotos: Gilberto Yoshinaga/Record TV Japan

 

 

O cenário parece ser de guerra. Entre árvores e arbustos, por todos os lados só se veem pessoas com roupas camufladas portando revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras e farta munição. Mas o clima é pacífico, as armas não são de fogo e todos, ali, têm um único e nobre objetivo em comum: ajudar o próximo.

 

Em pleno Golden Week, equipes de airsoft de diferentes partes do Japão se reuniram, na quarta-feira (3), para a sexta edição do Eban (Evento Beneficente de Airsoft em Nagano) – que, curiosamente, pela primeira vez foi realizada em outra província. Nesta ocasião, o local escolhido foi uma área de camping próxima à costa marítima de Fukude, em Iwata (Shizuoka). O evento reuniu cerca de 300 pessoas, dentre as quais 100 participaram dos jogos.

 

Originado no Japão no início da década de 1970, o airsoft, também conhecido como “jogo da sobrevivência”, simula um confronto de guerra entre duas equipes, valendo-se de roupas e equipamentos similares aos militares. Mas as armas são de pressão e a munição é formada por pequenas bolinhas biodegradáveis com 6 milímetros de diâmetro. 

Airsoft reproduz muitas características militares, a começar pelas vestimentas dos participantes/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

 

Além das fardas e réplicas de armas, alguns jogadores investem em acessórios para intimidar adversários/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

 

Em suma, airsoft é um “paintball sem tinta”. No Japão, há uma legislação que estipula o limite de 98 Joules (medida de força) para a intensidade da pressão a ser utilizada nas armas – em outros países, são permitidos tiros mais fortes. Por conta disso, e também por se tratar de um evento beneficente, o Eban usou um equipamento para medir a pressão de cada arma a ser utilizada no evento. 

Todas as armas foram inspecionadas para assegurar que a força dos tiros não desobedecesse à lei/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

 

A Record TV Japan já publicou outra reportagem sobre o assunto e o Eban (relembre aqui).

 

 

‘Juntos somos mais fortes’

 

Renato Ussui, um dos idealizadores e líderes do Eban – projeto criado em 2018, na província de Nagano/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

“Quem não conhece o airsoft pode achar que é algo violento. Mas, muito pelo contrário, este é um evento familiar, uma reunião de amigos com um propósito muito especial, que é a solidariedade”, define Renato Ussui, 49, de Komagane (Nagano), um dos idealizadores do projeto, iniciado em 2018. “O Eban é uma corrente do bem que vem crescendo ano após ano e, felizmente, tem inspirado outras pessoas a ajudarem o próximo de alguma forma.”

 

Ussui conta que já costumava agendar jogos com outros times praticantes de airsoft quando, em 2018, soube de três famílias que passavam por dificuldades financeiras decorrentes de problemas de saúde. “Decidi levar essa questão para os líderes de outros times, a fim de arrecadar dinheiro ou mantimentos. E rapidamente todos se mobilizaram, cada um ajudando como podia”, lembra. “Então, como somos muitos, tivemos a ideia de manter esse caráter beneficente em outros eventos, ao menos uma vez por ano. O pouco com que cada um pode contribuir acaba se tornando uma ajuda valiosa para quem precisa. Porque, como costumamos dizer, juntos somos mais fortes.”

 

 

De diferentes províncias

 

Líder do time Alpha, Rodrigo Kawakame, de Toyama (Toyama), viajou 350 km para prestigiar o evento/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

Pessoas de diferentes províncias se deslocaram para participar da primeira edição do Eban fora de Nagano. “Eu cheguei três e meia da manhã, montei meu acampamento e planejo ir embora só um dia depois do evento”, contou Rodrigo Kawakame, 43, líder do time Alpha. Ele viajou cerca de 350 km de Toyama (Toyama) até Iwata, com a esposa e três cãezinhos de estimação. “Ainda nem sei se vou jogar. Vim mais para curtir, rever os amigos e, é claro, poder dar minha contribuição à causa.”

 

 

“Nosso time tem 14 integrantes e só seis puderam vir. Mas essa doação é de todos”, contou Christian Mitiuhe (à dir.)/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

Distância semelhante foi percorrida por Christian Mitiuhe, 37, do time Skull, de Oizumi (Gunma). Quando foi abordado pela reportagem, ele descarregava mais de 20 quilos de alimentos, 36 litros de água mineral e artigos de higiene angariados para doação. “Nosso time tem 14 integrantes, dos quais só seis puderam vir. Mas essa doação é de todos. Mesmo quem não pôde vir fez questão de dar sua contribuição”, disse. “O airsoft é nossa diversão, mas, no Eban, todos sabemos que por trás há um propósito maior, que é a ajuda ao próximo.”

 

 

Além das províncias de Nagano, Shizuoka, Toyama e Gunma, dentre os 17 times ligados ao Eban houve presença de praticantes de airsoft de Aichi, Gifu, Shiga e Tochigi. 

 

 

Famílias e cuidados

 

Homens adultos formaram a maioria dos participantes dos jogos, mas também houve espaço para algumas mulheres e até crianças. 

 

Filippy Issao Okamura, de Kosai (Shizuoka), levou o filho Kaue, 7, e o sobrinho Pedro, de 13 anos/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

“Como você pode ver, o airsoft é algo bem família. As pessoas confraternizam, se respeitam e trazem as famílias”, definiu Fillipy Issao Okamura, 38, de Kosai (Shizuoka), que compareceu ao evento com a esposa, o filho Kaue, 7, e o sobrinho Pedro, 13 – os dois últimos participaram dos jogos. “Meu filho pratica desde os cinco anos. Não acho que incentive a violência, pelo contrário: o airsoft ensina valores como disciplina e, principalmente, honestidade. Isso porque nem sempre dá para perceber que uma pessoa levou um ‘tiro’ e ela é que tem que se acusar, admitindo que foi atingida.”

 

 

Para além do airsoft, Eban se caracteriza como uma confraternização entre amigos de diferentes lugares/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

Por conta da presença de mulheres, crianças e até animais de estimação, a organização do Eban tomou diversos cuidados. Além de só permitir o uso de armas com pressão até 98 Joules, respeitando a legislação japonesa, o estafe zelou para que elas só ficassem carregadas e destravadas na área dos jogos – uma mata mais fechada e demarcada por cordas. Na chamada “safety area”, onde ficavam os acampamentos com familiares dos participantes, além de quatro food trucks, era proibido deixar as armas carregadas ou dar qualquer tiro.

 

 

‘Corrente do bem’

 

“Dividimos os participantes em duas grandes equipes, amarela e vermelha, e elas se confrontaram em jogos de 40 minutos. Mas posso dizer que todos venceram e não houve perdedores, já que conseguimos arrecadar dinheiro e mantimentos que vão ajudar muitas pessoas”, celebrou Ussui.

 

Mantimentos e artigos de higiene arrecadados foram encaminhados para o projeto social de uma igreja de Shizuoka/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

Ao todo, esta edição do evento angariou 476 mil ienes, dezenas de quilos de alimentos e artigos de higiene diversos. Além de doações recebidas em espécie, um bazar do Eban, com camisetas, brindes e equipamentos de airsoft doados por praticantes, reverteu a renda de todas as vendas para a causa beneficente. A maior parte do dinheiro, 430 mil ienes, foi destinada a cinco famílias com dificuldades financeiras decorrentes de problemas graves de saúde – tratamentos contra câncer e leucemia, por exemplo. 

 

O restante do dinheiro foi usado para comprar mais alimentos a serem encaminhados para um orfanato japonês localizado em Iida (Nagano). E os artigos de higiene e alimentos doados por participantes foram repassados ao projeto social de uma igreja da própria província de Shizuoka. Tudo é abertamente divulgado para os participantes, com a apresentação de comprovantes.

 

Ajudada pelo Eban há quatro anos, Thaís Sanches doou calças jeans para retribuir o gesto de solidariedade/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

 

O evento teve um exemplo bastante simbólico da “corrente do bem”, como define Ussui, ao se referir ao Eban. Júlia, filha de Thaís Sanches, 30, de Takahama (Aichi), tem uma doença rara que requer tratamento com um medicamento de alto custo. Quatro anos atrás, a menina, hoje com sete anos, foi ajudada pelo projeto. E, nesta edição do evento, foi Thaís quem deu sua contribuição.

 

Com camisetas, brindes e equipamentos de airsoft, bazar do Eban reverteu toda sua renda para a causa beneficente/©Gilberto Yoshinaga-RecordTVJapan

Frutos de uma empreitada comercial que não vingou, ela doou para o Eban mais de uma dezena de calças jeans brasileiras, cuja venda foi revertida para o projeto. “As calças estavam paradas em minha casa e decidi trazê-las. Se não conseguir vender todas desta vez, que seja na próxima edição”, explicou Thaís. “Quando eu precisei, o Eban ajudou minha filha. Hoje estou em condições de ajudar outras pessoas e passar a solidariedade para a frente.”

 

 

 

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