Em sua página @morandonokanto, Paloma Souza faz recortes da vida nas fábricas, os desafios e diferenças culturais comuns aos “decasséguis”

 

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação/@morandonokanto

 

 

 

A vida no Japão não é um mar de rosas para a maioria dos brasileiros. O trabalho na fábrica é intenso, há as dificuldades com o idioma, as diferenças culturais e da forma de pensar. Neste contexto, é comum enfrentar as mais diversas situações, problemáticas ou engraçadas, passar por mal-entendidos ou constrangimentos.

 

A ilustradora Paloma Souza, de 28 anos, encontrou uma forma de retratar os desafios da vida no Japão com leveza e humor. Em sua página no Instagram (@morandonokanto), a brasileira que vive em Yokohama (Kanagawa), passou a publicar tirinhas de sua personagem, “Souza-san”, inspirada em si mesma.

 

A personagem vive situações na fábrica, passa por problemas por ser estrangeira e agir diferente dos japoneses. Paloma consegue usar o humor também para tratar questões delicadas, como a xenofobia, que precisa ser debatida na sociedade para que os estrangeiros sejam tratados com igualdade e respeito.

Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação/@morandonokanto

Paloma sempre foi fã de mangá e ilustrações. Ela conta que tinha uma paixão pelo Japão e gostava de desenhar desde criança. Em 2016, veio morar no Japão pela primeira vez com o marido e o primeiro filho, que hoje tem sete anos.

 

“No começo eu fazia ilustrações sobre a maternidade, mas não era o nicho que eu queria. Entre 2016 e 2017 eu só fiquei em casa, saía pouco porque tinha medo de me perder e não convivia com os japoneses. Só quando comecei a trabalhar, em 2017, eu passei a me envolver com os japoneses no dia a dia e tudo mudou”, revelou.

 

Nesta época, a brasileira passou por todo o tipo de situação, que hoje serve de inspiração para as tirinhas. A pior experiência aconteceu quando ficou grávida do segundo filho. “Eu trabalhava no depósito de um mercado e quando fiquei grávida, comecei a sofrer muita pressão psicológica para sair da empresa. Foi muito triste, eu pagava o seguro social, mas ia dar trabalho e eles quiseram se livrar de mim”, relembrou.

 

A ilustradora sofreu durante a gravidez e acabou deixando o trabalho quando ganhou o filho, há um ano e meio. Desde então, decidiu focar novamente nos desenhos, passou a atuar como ilustradora freelancer, atendendo projetos de empresas japonesas. Paloma nunca mais voltou a trabalhar em fábricas, mas guarda as experiências.

 

Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação/@morandonokanto

 

“Eu tinha deixado o desenho de lado na minha vida e retomei depois que fiquei desempregada. No ano passado, criei a Souza-san em um dia em que estava estressada, relembrei as situações que eu passei no trabalho e decidi desenhar”, conta.

 

A personagem foi lançada no fim de novembro, em uma tirinha que mostra uma situação comum para quem trabalha e vive no Japão. A chefe de Souza-san a pede para empilhar caixas em um carrinho distante, embora tenha um outro carrinho logo ao lado. A personagem argumenta que é mais fácil e rápido usar o carrinho próximo e é repreendida até que chega outro chefe e explica que o carrinho distante devia ser utilizado anos antes, quando era a única opção.

 

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“A chefe estava seguindo algo que aprendeu há muitos anos e já não fazia mais sentido, mas continuava insistindo que tinha que ser daquele jeito. Isto é muito comum para os japoneses e é uma situação que eu passei. Muitas das ilustrações representam experiências que eu tive de verdade”, diz.

 

Missão de gerar consciência

 

As tirinhas são divertidas e quem acompanha muitas vezes se sente na pele de Souza-san, por compartilhar experiências parecidas no país asiático. Através do humor, Paloma pretende promover debates sobre a vida no Japão, como é possível melhorar a realidade dos estrangeiros, entender as diferenças e combater a discriminação.

 

Fotos: Arquivo pessoal/Divulgação/@morandonokanto

 

 

“Quero mostrar para as pessoas que moram aqui e também para as que não moram que há muitas coisas que precisam ser discutidas. Quero trazer isso através do humor e da leveza e dessa forma, falar de questões como a discriminação com os estrangeiros, que está enraizada na cultura e muitos japoneses acham normal agir assim”, explicou.

 

Uma forma de lutar contra a xenofobia é através da consciência de que ser tratado de uma forma diferente ou inferiorizada por ser estrangeiro é um problema grave.

 

“Isto não é normal, não é legal e machuca as pessoas. Mas tem japoneses que falam de um jeito tão natural contra os estrangeiros que você acaba aceitando como algo normal. Eu sempre tento falar sobre essas coisas nas minhas tirinhas, mostro que há muita separação entre japoneses e estrangeiros”, afirma.

 

As reações têm sido positivas, com muito engajamento e comentários que mostram que o público vem se identificando com o trabalho artístico de Paloma.

 

“A minha intenção agora é crescer como ilustradora, falar de problemas no Japão e fazer com que as pessoas se sintam representadas. Quero falar de coisas difíceis e engraçadas, a questão do idioma que é complicado. Quero que as pessoas vejam como é a vida de verdade do estrangeiro no Japão”, frisou.

 

Quem quiser acompanhar o trabalho da artista e ver as tirinhas publicadas, basta acessar a página @morandonokanto pelo Instagram.