Mães brasileiras que vivem no Japão falam sobre os receios e os cuidados para que os filhos não se tornem alvo de criminosos

 

 

 

Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock

 

 

 

Nem sempre é fácil segurar o impulso de compartilhar com os amigos os momentos únicos e especiais da vida de pai e de mãe. No entanto, avaliar os prós e contras da exposição e tomar medidas de segurança para evitar que os pequenos se tornem alvos de criminosos, é uma urgência na era das redes sociais.

 

Conhecido como “sharenting”, o hábito de expor as crianças se espalhou pelo mundo e oferece mais riscos do que muitas famílias imaginam. Os perigos já foram alertados por especialistas e entidades, como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

 

“A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente, sem critérios de segurança e privacidade, pode ser distorcido e adulterado por predadores em crimes de violência e abusos nas redes internacionais de pedofilia ou pornografia, por exemplo”, alerta a coordenadora do Grupo de Saúde Digital da SBP, Evelyn Eisenstein.

 

No Japão, algumas mães brasileiras já perceberam que não é uma boa ideia exagerar na exposição de imagens dos filhos e estão tomando cuidados.

 

Larissa Ayuka Sano, de 26 anos, mora em Toyama e é mãe de uma menina de 3 anos e 3 meses e outra de 1 ano e 7 meses, além de estar grávida do terceiro filho, um menino com nascimento previsto para abril do ano que vem.

 

Ela conta que o maior medo é ter as fotos das filhas nas mãos de pedófilos e por isso, toma cuidado com as publicações.

 

“Vejo muita gente tirar fotos dos filhos na hora de tomar o primeiro banho, ou em momentos engraçados, fugindo do banho ou da toalha e depois postam na internet para todo mundo ver. Eu tenho muitas fotos assim, mas nunca posto em nenhum lugar. Tenho medo de enviar até para os parentes no Brasil, pois nunca sabemos se estamos totalmente seguros”, revela.

 

Além disso, a brasileira mantém as redes sociais bloqueadas e não deixa os familiares postarem fotos das crianças em modo público. A questão não é apenas o risco dos criminosos, mas também a privacidade.

 

“Como seres humanos, não gostamos que tirem fotos de nós em um momento íntimo e por isso respeitamos. A criança também é um ser humano, pequeno, mas continua sendo um humano. Devemos respeitá-los e o corpo deles também”, diz.

 

A ideia de Larissa pode até parecer exagero para alguns pais, mas está longe disso na opinião de especialistas. Para o coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP, o médico Roberto Santoro, o “sharenting”, que é a junção dos termos em inglês “share” (compartilhar) com “parenting” (paternidade), traz riscos também no âmbito do respeito à privacidade.

 

“A vida da criança não pertence aos pais. Eles são promotores do desenvolvimento da criança e do adolescente e têm que zelar por esse desenvolvimento, para que ocorra de uma maneira coerente e equilibrada, rumo a uma idade adulta em que a pessoa consiga se realizar plenamente de acordo com os seus potenciais”, declara.

 

Cautela na hora de publicar

 

A brasileira Ayumi Araki, de 24 anos, é mãe de quatro crianças três meninas (6, 4 e 2 anos) e um menino de 10 meses. Ela vive na província de Mie e conta que, diferente de Larissa, não é tão rigorosa com relação à publicação de fotos dos filhos, mas toma medidas de segurança.

 

“Eu posto bastante fotos deles, mas tomo cuidados. Evito postar local da escola, uniforme e nome completo. Também nunca postei fotos deles nus, porque sei que pode acabar em sites de pedofilia. Infelizmente tem muitas pessoas doentes que se aproveitam de crianças inocentes”, diz.

 

Ela conta que sempre foi cuidadosa, mas redobrou a atenção depois que um episódio que chamou sua atenção.

 

“Eu comecei a tomar ainda mais cuidado depois que soube por alguns relatos de crianças que fazem vídeo para o Youtube de saia, pulam e as vezes aparece um pouco. Aí tem gente que via, marcava outras pessoas no vídeo com o horário exato em que aparecia”, contou.

 

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O lado obscuro da internet exige que as famílias tenham mais cautela.

 

“A internet é muito prática, mas tem esse lado e a gente precisa ficar atento porque cabe a nós proteger as crianças. Vejo mães postarem várias fotos com uniformes, não tem essa preocupação e hoje em dia é muito fácil saber da vida do outro. Por pequenos detalhes você sabe onde a pessoa mora, que locais frequenta e qual é a rotina”, explica.

 

Recomendações

 

Para atualizar pediatras, pais e educadores sobre a influência das tecnologias de informação e comunicação (TICs), redes sociais e internet nas questões de saúde e de comportamento das crianças e adolescentes, a SBP publicou neste ano o Guia Prático de Atualização “#SemAbusos #MaisSaúde.  

 

O guia destaca importantes recomendações aos médicos sobre como avaliar na história e no exame, durante a consulta, casos suspeitos de violência ou abusos offline ou online; além de orientar os pais sobre alternativas seguras, educativas e saudáveis de atividades para crianças e adolescentes.

 

A exposição exagerada de informações sobre crianças representa uma ameaça à intimidade, vida privada e direito à imagem, como dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Somado a isso, todo conteúdo publicado na internet gera dados que, no futuro, podem ser desaprovados pelos filhos, por entenderem que sua vida privada foi exposta indevidamente durante a infância.

 

Na opinião do médico Santoro, não há como minimizar os riscos da exposição exagerada de crianças na internet. Para ele, esse público não deve ser exposto nas redes. “Eu sou radical em relação a isso. A gente não tem que minimizar os riscos de exposição da criança. A gente simplesmente não tem que expor crianças e adolescentes, porque eles não têm ainda condições de determinar o que é seguro e o que não é seguro em termos dessa exposição”.

 

Segundo ele, os pais precisam zelar justamente pela privacidade dos filhos. 

 

“Sugiro que as imagens de crianças e adolescentes não sejam compartilhadas livremente na internet, a não ser com muito cuidado para pessoas muito próximas, para pessoas da família. Eu não colocaria, por exemplo, imagens de crianças em sites públicos e tomaria muito cuidado com isso”, aconselha. (*com Ludmilla Souza/Agência Brasil )