Procedimento envolve documentos detalhados sobre a vida do candidato e não é preciso ter ascendência japonesa para tentar
Texto: Ana Paula Ramos/Record TV Japan
Foto: AdobeStock
A naturalização é um tópico de interesse para muitos brasileiros que vivem no Japão e é um assunto recorrente nos grupos online da comunidade. O passaporte vermelho pode abrir portas aos jovens que estão crescendo no país e também facilita a vida dos adultos, acabando com as burocracias de visto.
Todos os anos, centenas de brasileiros passam pelo processo. Os dados do Ministério da Justiça mostram que a nacionalidade tupiniquim é a terceira que mais se naturaliza, depois de chineses e coreanos. Em 2019, 383 brasileiros se tornaram cidadãos japoneses e em 2020, foram 409.
O resultado é compensador, mas o processo está longe de ser fácil ou ágil. O Ministério da Justiça exige uma série de documentos, incluindo os históricos escolares e familiares do Brasil, relatórios sobre atividades de trabalho no Japão e carta com as motivações. O processo pode levar alguns meses ou até um ano.
Priscila Matsuda (43) vive em Toyota, na província de Aichi, e decidiu se naturalizar junto com a filha Beatriz, de 12 anos. Elas concluíram o processo há um ano e uma das motivações para adquirir a cidadania foi tentar impedir que a menina sofra preconceito por ser estrangeira.
“Eu optei pela naturalização para que a minha filha não sofra nenhum tipo de discriminação futuramente. Eu sempre conversei com ela e ela já era grandinha e estava de acordo porque nasceu no Japão e mesmo eu falando que somos brasileiras e falando português, ela meio que se sentia japonesa”, explicou.
A jornada pela cidadania começou em novembro de 2019, quando Priscila começou a providenciar a papelada. A notificação sobre a aprovação só veio cerca de um ano depois, em outubro de 2020.
“Eu espero que isto ajude futuramente, pois não pretendemos ir embora. Eu sou mestiça e não tenho muita cara de japonesa para ser considerada nativa. Diferente da minha filha, mesmo naturalizada, vou me considerar estrangeira para sempre”, diz.
Naturalização sem ascendência
A falta de uma ascendência nipônica não desencorajou Marcia Takara, de 52 anos, a solicitar a nacionalidade japonesa. A brasileira, que descende de italianos e vive em Hiroshima, se tornou cidadã japonesa em dezembro de 2006, junto com o marido e os dois filhos.
Os pais do marido eram naturais de Okinawa e graças à ascendência, o casal migrou ao Japão no ano de 1990, pouco depois da mudança de lei que abriu as portas do país aos filhos e netos de japoneses.
“Na época, nós decidimos que viriam os dois juntos ou não viria ninguém. Em agosto de 1990, uma empreiteira falou que poderíamos ir juntos se fosse para Hiroshima. Nós viemos pensando em nos mudar depois para uma região com mais oferta de emprego, mas nos acostumamos e nunca mais saímos de Hiroshima”, contou.
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O casal teve uma filha no início dos anos 1990 e chegou a retornar ao Brasil por dois anos, quando a menina ainda era um bebê. O segundo filho nasceu oito anos depois e quando o menino estava perto da idade primária, ela e o marido decidiram encerrar as discussões sobre onde criar os filhos e tomaram uma decisão.
“Nós sentamos para conversar sobre o que fazer da vida. Já estávamos há quase 15 anos no Japão e refletimos sobre os prós e contras dos dois países. Meu filho tinha 5 anos e a minha filha tinha 13 e nós resolvemos ficar em definitivo no Japão”, conta.
A decisão culminou no desejo de comprar uma casa própria e de se naturalizar. “O menino já falava que queria servir ao exército, tinha alguns sonhos que com a nacionalidade brasileira não poderia realizar depois de adulto”, explicou.
Quando consultou o Ministério da Justiça sobre o procedimento para naturalizar toda a família, Marcia se surpreendeu com as exigências.
“Nesta primeira visita eu percebi que o processo era complicado e rigoroso. Foram muitos documentos do Brasil. certidões de nascimento, atestados de óbito, certificados de cursos e diplomas. Até a minha mãe teve que fazer uma declaração no cartório contando a história de vida dela. Eu achei que não precisaria de detalhes da minha família por não ser descendente, mas perguntaram tudo”, contou.
Levou cerca de um ano para organizar toda a papelada e uma média de 20 visitas ao Escritório de Assuntos Jurídicos (Houmu-kyoku) até que todas as exigências para a naturalização fossem atendidas.
“Foi bastante trabalhoso e teve muitos detalhes, mas conseguimos fazer tudo o que pediram. Eles falaram que podia levar até um ano para avaliar, mas não deu dois meses até que aprovassem depois que entregamos tudo. Nós nunca nos arrependemos dessa decisão, nem eu, nem meu marido e nem meus filhos”, diz.
Como dar entrada
Segundo as informações disponibilizadas pelo Ministério da Justiça, o primeiro passo para dar entrada na naturalização é uma visita ao Escritório de Assuntos Jurídicos mais próximo da residência.
O volume de documentos necessários depende das circunstâncias de cada candidato e nesta primeira visita, o interessado recebe a lista de tudo o que deve providenciar para a avaliação. Novos documentos podem ser solicitados durante os trâmites.
O processo é rigoroso e envolve o esclarecimento completo do histórico de vida do cidadão em seu país de origem e no Japão. São exigidos documentos referente aos familiares no Brasil, históricos escolares e de atividades de trabalho, carta com as motivações para a naturalização, currículo, relatório sobre a situação financeira e documentos sobre a vida no Japão, como trabalho, residência e quitação de impostos.
É possível que leve meses ou até um ano para reunir a papelada necessária. Depois de dar entrada, a aprovação ou não da cidadania pode levar mais um ano. Se for aprovado, o novo cidadão japonês terá um prazo de 14 dias para encerrar os registros de residente estrangeiro no Japão.
O Japão não aceita dupla cidadania e convida o cidadão naturalizado a realizar os trâmites para o cancelamento da cidadania do país de origem. No entanto, não há controle ou fiscalização e na maioria dos casos, o naturalizado segue com dois passaportes.
Para se naturalizar, o cidadão precisa estar morando há mais de 5 anos contínuos no Japão e com residência legalizada. É preciso mostrar um comportamento ímpar, sem dívidas de impostos, histórico criminal ou comportamentos sociais incômodos.
O Ministério da Justiça exige ainda que o candidato tenha renda ou condições financeiras adequadas para o próprio sustento e da família. O cumprimento de todos os requisitos é suficiente para dar entrada, mas não garante a aprovação.